Teori quer investigar vazamento de delação

O ministro Teori Zavascki, relator da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, quer investigar o vazamento dos depoimentos em tratativas da delação premiada firmada pelo ex-líder do governo no Senado, Delcídio Amaral (PT-MS). A revista IstoÉ publicou anteontem, 3, trechos dos depoimentos do parlamentar, nos quais o senador petista afirma a investigadores ter havido envolvimento direto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, alvo da 24ª fase da Lava Jato, e da presidente Dilma Rousseff em tratativas para atrapalhar as investigações.

A intenção de Teori, segundo o ministro tem relatado a interlocutores, é pedir a apuração do vazamento das informações sigilosas à Procuradoria-Geral da República, responsável por conduzir as investigações e colher os depoimentos de delatores.

A delação de Delcídio ainda não foi homologada por Teori, o que é tido como certo para ocorrer dentro dos próximos dias. O procedimento de análise do acordo de colaboração é visto com naturalidade na Corte, que já homologou as delações de outros investigados que citaram autoridades com foro privilegiado. As primeiras delações homologadas por Teori na Lava Jato foram as declarações do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa e do doleiro Alberto Youssef, em 2014. Ao homologar a delação, o ministro valida o acordo celebrado entre investigado e Ministério Público Federal, permitindo que as falas do delator sejam usadas como indícios de provas pelo órgão acusador.

A perspectiva de investigar o vazamento segue a tendência de endurecimento das divulgações de informações sob sigilo nos órgãos de Justiça. Em fevereiro, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou alterações em resolução que trata de investigações criminais. Pelo novo texto, os juízes são obrigados a instaurar apuração sobre vazamento de dados e informações sigilosas.

Incômodo. A divulgação precoce das informações sobre a delação de Delcídio, antes da homologação do acordo e do fim do sigilo judicial, irritou o relator da Lava Jato na Corte e também a Procuradoria-Geral da República. Investigadores consideram que o vazamento é um obstáculo para o andamento das apurações - já que possíveis investigados tomam ciência de que seus nomes foram citados e podem, por exemplo, esconder possíveis provas. Teori chegou a relatar a Janot o descontentamento com a divulgação das informações.

O incômodo com o vazamento da delação fez com que Procuradoria e Supremo silenciassem publicamente sobre o caso. As declarações bombásticas do senador eram tema único nas rodas de conversa da cerimônia de troca do ministro da Justiça no Palácio do Planalto na manhã de anteontem. Exceto em uma: o grupo de procuradores da República que trabalham nas investigações de políticos implicados na Lava Jato tentava ignorar os debates sobre o assunto.

Os integrantes do grupo de trabalho criado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e designado para ouvir e definir a estratégia de investigação de parlamentares no esquema, não comentam o assunto. Janot seguiu a mesma linha e preferiu não se pronunciar sobre o caso, procedimento também adotado por Teori, que deixou a Corte na ocasião “sem nada a declarar” sobre o vazamento. Diante da ordem de silêncio, os procuradores ligados à Lava Jato relutam em confirmar sequer a existência das investigações.

Delcídio foi preso em novembro por tentativa de atrapalhar as investigações da Lava Jato. O senador foi gravado pelo filho do ex-diretor da Petrobrás Nestor Cerveró em tentativas de comprar o silêncio do ex-dirigente da estatal. Preso por quase três meses, sem o apoio do PT ou do governo, Delcídio fechou o acordo de delação com a Procuradoria-Geral da República.

No último dia 19, o senador foi liberado para permanecer em regime domiciliar por decisão de Teori, com base em parecer favorável do Ministério Público. Na delação, Delcídio registrou que a presidente Dilma Rousseff acompanhou o processo de compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos. Ele também relatou, segundo a revista, as tentativas de intervenção da presidente Dilma e do ex-ministro da Justiça e atual chefe da Advocacia-Geral da União, José Eduardo Cardozo, de intervirem nas investigações da Lava Jato.

Denúncia. O parlamentar terá que responder a uma denúncia já oferecida pela Procuradoria-Geral ao STF por tentativa de obstruir as investigações. Além da acusação, Delcídio é alvo de mais três inquéritos perante a Corte, que têm como fundamento as apurações da Lava Jato e delações premiadas, como as declarações feitas por Cerveró. A estratégia da defesa de Delcídio era manter o acordo de delação sob sigilo, em uma cláusula de confidencialidade, por prazo suficiente para sobreviver ao processo a que responde no Conselho de Ética do Senado.

 

O Estado de São Paulo, n.44699, 05/03/2016. Política, p. A18