O Estado de São Paulo, n. 44700, 06/03/2016. Política, p. A5

Dilma ensaia uma reaproximação com seu padrinho

Vera Rosa

A presidente Dilma Rousseff e seu padrinho político Luiz Inácio Lula da Silva combinaram uma estratégia para tentar salvar o governo da pior crise política. Os dois se encontraram por uma hora e almoçaram juntos ontem, em São Bernardo do Campo, enquanto simpatizantes faziam um ato de apoio ao petista diante do prédio onde ele mora.

Ameaçada pelo impeachment, Dilma quer se reaproximar de Lula e pediu a ele a mediação para que o partido a ajude a preservar o mandato. O discurso de “vitimização” de Lula é o primeiro passo para essa mobilização.

A conversa entre os dois ocorreu no dia seguinte à ação da Polícia Federal que conduziu Lula coercitivamente para prestar depoimento.

O ex-presidente é o principal alvo da Operação Aletheia, 24.ª fase da Lava Jato. “Lula vai retomar a postura original dele”, disse ao Estado o ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, que acompanhou Dilma na ida a São Bernardo do Campo, referindo-se ao discurso mais incisivo do ex-presidente contra as elites, marca registrada das suas campanhas. “O problema é que as pessoas, mesmo as nossas, não veem que existem papéis diferentes. Ela é o governo, não um sindicalista que pode falar o que quer.

Acho muito importante respeitar as instituições. Agora, tanto o PT como ela têm muito juízo. Não haverá racha.” Ao receber ligação de Dilma após prestar depoimento à PF,Lula deu a senha da estratégia a seguir.“Não podemos cair na armadilha de nos dividir, Dilma”, disse.“Não dá mais.Se alguém imagina que vou ficar em casa,esquece.

Vou para a rua e vou ser candidato a presidente, em 2018.” As declarações de Lula foram confirmadas ao Estado por duas pessoas que testemunharam o telefonema.Ontem,o ex-presidente já pôs em prática a tática de ir à rua. Por volta das 13h, ele saiu do prédio e circulou por cerca de 20 minutos entre os cerca de 300 apoiadores que se aglomeravam na rua. Um carro de som chegou a estacionar no local, mas Lula disse ao microfone que não iria discursar em respeito ao hospital que funciona ao lado.Cercado de seguranças, ele recebeu abraços e tirou selfies aos gritos de “Lula guerreiro do povo brasileiro”.

Presente no ato, o prefeito de São Bernardo,Luiz Marinho,definiu como “brutalidade”a condução coercitiva de Lula. “Querem tomar o poder esquecendo que a eleiçãosóéem2018.”O presidente do PT, Rui Falcão, divulgou vídeos nos quais provocou a oposição e disse que Lula será candidato “se for necessário”.

 

Protestos. No Planalto, a avaliação é que o cerco a Lula na Operação Lava Jato, a delação do ex-lí- der do governo no Senado Delcídio Amaral (PT-MS) e a prisão do marqueteiro João Santana dão força às manifestações contra o governo, marcadas para o dia 13.

O aumento dos protestos preocupa o Planalto porque a temperatura das ruas é decisiva para o impeachment ganhar força no Congresso, embora o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), tenha se tornado réu em processo por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

O monitoramento das redes sociais feito pelo governo indica que a insatisfação popular cresceu muito. Há inconformismo com a corrupção na Petrobrás e com a falta de emprego e a disparada da inflação.

Com medo de perder o mandato, Dilma começou a fazer gestos na direção do PSDB e de alas dissidentes do PMDB. Apoiou, por exemplo, a proposta que prevê a perda da exclusividade da Petrobrás na exploração da camada do pré-sal, do tucano José Serra (SP), mesmo se indispondo com o PT. Irritada com as críticas do partido ao ajuste fiscal e à reforma da Previdência, a presidente faltou à festa de 36 anos do PT,no dia 27, no Rio.

Em conversa a portas fechadas com deputados, senadores e dirigentes do partido, na sexta-feira, Lula pediu compreensão com a presidente. “A gente precisa defender a Dilma, mesmo discordando dela. Não querem que ela termine o mandato. Querem inviabilizar o PT para    2018 e não podemos deixar isso acontecer.” Dirigentes do PT acreditam que a ação da PF contra Lula e o discurso de “vitimização” facilitam a mobilização da militância.

O ato de desagravo na quadra do Sindicato dos Bancários, na sexta-feira à noite, é um exemplo. Segundo organizadores, no ano passado a Central Única dos Trabalhadores (CUT) teve duas semanas para encher o local para um discurso de Lula e conseguiu só meia lotação. Anteontem, faltou espaço para os aliados. “O que aconteceu hoje era o que precisava acontecer para o PT levantar a cabeça”, definiu o próprio Lula./ COLABORARAM ADRIANO CEOLIN, PEDRO VENCESLAU, RICARDO GALHARDO e VALMAR HUPSEL FILHO

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Partido usa ação da PF para reorganizar militância

Ricardo Galhardo

Pedro Venceslau

A ação da força-tarefa da Operação Lava Jato que teve como alvo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na sexta-feira, tornou-se um fator que dirigentes do PT tentarão aproveitar para reunificar a militância e conter o afastamento dos movimentos sociais, insatisfeitos com a política econômica do governo.

Na avaliação do PT, é possível usar a comoção em torno de Lula após a Operação Aletheia para disputar o espaço das ruas com mais força e, dessa forma, se contrapor a uma nova onda de protestos pelo afastamento da presidente Dilma Rousseff, marcados para o próximo domingo.

Após a operação de sexta, os movimentos sociais começaram uma convocação pró-Lula já para terça-feira, Dia Internacional da Mulher. Outro ato contra o impeachment e em defesa de Lula e do PT está sendo preparado para o dia 18, cinco dias após os protestos contra Dilma, também na Avenida Paulista. Antes, a articulação seria feita só no fim do mês.

 

Os petistas acham que ficou mais fácil mobilizar a militância com o mote de que Lula teria sido “vítima de abuso” da Lava Jato. O ato realizado na quadra do Sindicato dos Bancários, na noite de sexta-feira em São Paulo, é um exemplo. Segundo organizadores, no ano passado a Central Única dos Trabalhadores (CUT) trabalhou duas semanas para tentar encher o local para um discurso de Lula e conseguiu só meia lotação. O ex-presidente não gostou. Anteontem, faltou espaço para o público solidário a Lula. “O que aconteceu hoje era o que precisava acontecer para o PT levantar a cabeça”, disse o próprio Lula.