Correio braziliense, n. 19275, 04/03/2016. Política, p. 2

O DIA EM QUE O PLANALTO ENTROU EM TRANSE

Suposta delação do senador Delcídio do Amaral envolvendo a presidente Dilma e o ex-presidente Lula no esquema de corrupção da Petrobras abalou o governo federal. Atônitos, aliados tentaram desqualificar as informações
Por: PAULO DE TARSO LYRA E NAIRA TRINDADE

PAULO DE TARSO LYRA

NAIRA TRINDADE

 

A publicação de uma suposta delação premiada preliminar do senador Delcídio do Amaral (PT-MS) envolvendo diretamente a presidente Dilma Rousseff, o agora ministro da Advocacia-Geral da União, José Eduardo Cardozo, e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Operação Lava-Jato infernizou o Planalto ontem, ofuscou a posse dos novos ministros e incendiou o debate do impeachment. Irritada com o conteúdo divulgado pela revista IstoÉ, Dilma convocou uma reunião de emergência com os dois principais conselheiros políticos — o próprio Cardozo e Jaques Wagner (Casa Civil). Em resposta, a dupla deu entrevistas achincalhando Delcídio e Dilma soltou nota defendendo a própria gestão.

As revelações atribuídas a Delcídio levam o escândalo da Petrobras para dentro do Palácio do Planalto. É a primeira vez que o nome da presidente Dilma é citado diretamente nas investigações da Operação Lava-Jato. Líder do governo até o fim do ano passado e homem de confiança da cúpula petista, Delcídio do Amaral teria contado sobre a articulação entre Dilma e Cardozo para a soltura de empreiteiros dentro do Palácio da Alvaroda, a tentativa de uma “mudança de rumos” na investigação no Supremo, a confirmação de caixa dois na campanha de 2010, entre outras acusações. A notícia repercutiu internacionalmente, mudou as perspectivas no mercado financeiro — que aposta na saída da chefe do Executivo —, deu gás para a oposição e deixou o governo em situação bem complicada. Até porque a denúncia o afasta ainda mais do PMDB, partido essencial na luta contra o impeachment.

Atônito com o teor devastador das acusações, o governo tentou desqualificar as denúncias. Durante a posse dos novos ministros —Wellington César Lima e Silva (Justiça), Luiz Navarro (CGU) e Cardozo na AGU — Dilma já havia garantido que o governo não interferia na Lava-Jato, “não porque a corrupção começou no meu governo, mas porque não costumamos engavetar investigações”. Era uma crítica à oposição, mas o ódio do Planalto estava voltado para Delcídio. “O que ele falou nessa suposta delação não se sustenta em pé. Delcídio fez isso por duas razões: vingança pessoal por achar que nós poderíamos tirá-lo da prisão e a expectativa de que a delação pudesse tirá-lo da cadeia”, vociferou Cardozo, em entrevista no Ministério da Justiça.

“Prefiro não adjetivar, prefiro ser objetivo. Esse fato é intolerável no estado democrático de direito. Se faz um linchamento seja lá de quem for para depois alguém dizer que não valeu nada. Até porque se ela (delação) deveria estar protegida por sigilo, estou entendendo que a delação perdeu seu valor de fato, do ponto de vista do processo judicial, e virou o que se tem virado muitas vezes: a execração pública para depois alguém provar que algo está diferente”, criticou Jaques Wagner após participar da abertura do Conselhão, no Planalto.

Em um gesto raro, Dilma divulgou uma nota, por intermédio da Secretaria de Imprensa, assinada por ela própria. “Os vazamentos apócrifos, seletivos e ilegais devem ser repudiados e ter sua origem rigorosamente apurada, já que ferem a lei, a Justiça e a verdade”. Acrescentando que só deve chegar ao conhecimento da sociedade as delações premiadas homologadas e devidamente autorizadas pela Justiça, Dilma foi ainda mais dura. “Repudiamos, em nome do Estado Democrático de Direito, o uso abusivo de vazamentos como arma política. Esses expedientes não contribuem para a estabilidade do país.”

 

Tensão

Os semblantes carrancudos das principais autoridades do país demostravam que o governo acusara o golpe que tentava desqualificar. As versões explodiam internamente. Delcídio teria feito de fato uma delação? O que foi publicado na revista seria um esboço e o verdadeiro conteúdo era outro? O senador petista tentou criar falsas histórias para conseguir a delação, assim como prometera coisas impossíveis ao filho de Nestor Cerveró em troca do silêncio do pai dele? “O dia de hoje ainda vai continuar repercutindo por semanas”, sentenciou um aliado do governo.

Cardozo usou de ironia nervosa para desqualificar Delcídio, de quem dizia-se próximo após a CPI dos Correios. “Ele vinha aqui com frequência para dizer que os advogados estavam reclamando de pressões pela delação na Lava-Jato. Eu brinquei que o espírito republicano dele estava exacerbado. Para minha tristeza, ele não pensava em ajudar o governo, mas em evitar delações que o incriminassem”, disse o ex-ministro da Justiça. Cardozo negou a pressão pela nomeação de ministros que ajudassem na concessão de habeas corpus para os réus da Lava-Jato. “Nomeamos 14 ministros no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e 5 dos 11 ministros do STF. Se a tese de Delcídio estivesse correta, os réus teriam sido liberados. E não foram.”

O Instituto Lula também rebateu as insinuações da suposta delação. “O ex-presidente Lula jamais participou, direta ou indiretamente, de qualquer ilegalidade, antes, durante ou depois de seu governo, seja em relação aos fatos investigados pela Operação Lava-Jato ou quaisquer outros citados pela revista. A sociedade brasileira não pode mais ficar à mercê de um jogo de vazamentos ilegais, acusações sem provas e denúncias sem fundamento”, afirmou por meio de nota.

O presidente nacional do PT, Rui Falcão, que defende a expulsão de Delcídio da legenda, também desqualificou as palavras do senador. “Essas declarações têm a mesma credibilidade das declarações anteriores”, resumiu.

"Os vazamentos apócrifos, seletivos e ilegais devem ser repudiados e ter sua origem rigorosamente apurada, já que ferem a lei, a Justiça e a verdade. Repudiamos, em nome do Estado Democrático de Direito, o uso abusivo de vazamentos como arma política”

 

Trecho da nota da presidente Dilma Rousseff

"O que ele falou nessa suposta delação não se sustenta em pé. Delcídio fez isso por duas razões: vingança pessoal por achar que nós poderíamos tirá-lo da prisão e expectativa de que a delação pudesse tirá-lo da cadeia”

José Eduardo Cardozo, advogado-geral da União