Correio braziliense, n. 19275, 04/03/2016. Política, p. 3

Todos os alvos de Delcídio

CRISE NA REPÚBLICA » Delação do senador suspenso do PT envolve a presidente Dilma Rousseff, o ex-presidente Lula, senadores e deputados. Em nota, parlamentar não confirma acusações e tampouco nega autoria. Mesmo sem homologação, investigação pode continuar
Por: EDUARDO MILITÃO E JOÃO VALADARES

EDUARDO MILITÃO

JOÃO VALADARES

 

Os anexos do acordo de delação premiada em que o senador Delcídio Amaral (PT-MS, suspenso) se compromete a colaborar com a Operação Lava-Jato envolveram a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula. Além disso, causaram temor em pessoas que acompanham o caso de perto, segundo apurou o Correio. Ao serem revelados os pactos de informações que o réu vai prestar, surgiu o temor de que atingidos pelas declarações questionem a legalidade dos termos. Ao mesmo tempo, cai por terra a tentativa de Delcídio de escapar de uma cassação no Conselho de Ética.

O parlamentar e o advogado Antônio Figueiredo Basto divulgaram nota sem negar a existência da delação. “Não conhecemos a origem, tampouco reconhecemos a autenticidade dos documentos”, disseram. Fontes ligadas ao senador confirmaram que ele iniciou, sim, tratativas para fechar o acordo, o que justificaria não ter negado ontem o pacto de maneira contundente, na tentativa de atenuar sua pena no futuro. Os documentos  são uma pré-delação, etapa em que o delator apresenta os fatos que podem ser detalhados após assinatura do acordo, ainda não homologado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Teori Zavascki. Independentemente da homologação, as informações prestadas podem ser investigadas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público.

Há, pelo menos, 29 anexos. Destaca-se o relato do senador em que ele narra tentativa do governo de indicar um magistrado para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), o ministro Marcelo Navarro, e assim soltar os executivos da Odebrecht e da Andrade Gutierrez. A própria Dilma e o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo operaram para soltar os presidentes das empreiteiras, segundo Delcídio. A conversa com a presidente aconteceu “enquanto caminhavam pelos jardins do Palácio da Alvorada”, escreveu o Ministério Público no termo de acordo fechado com o senador. “Dilma solicitou que Delcídio conversasse com o desembargador Marcelo Navarro, a fim de que ele confirmasse o compromisso de soltura de Marcelo e Otávio.”

O senador narrou que teve uma conversa com Navarro no Palácio. “Dr. Marcelo ratificou seu compromisso”, diz o anexo. Ontem, o magistrado confirmou o encontro, mas disse que apenas expôs seu currículo. “Os contatos (...) foram para me apresentar. Nunca me comprometi a nada”, disse Navarro, hoje ministro do STJ. Na nova função, ele votou pela soltura de Odebrecht e Azevedo. Vencido por 4 a 1 na 5ª Turma da corte, Navarro deixou a relatoria de todos os processos da Lava-Jato. Ele destacou que nos mais de 20 processos em que atuou na função, nunca determinou uma soltura sem antes consultar os colegas de turma. Segundo Delcídio, a conversa com Dilma teve o aval do presidente do STJ, Francisco Falcão, que ontem negou a interferência. O senador narrou que a presidente tentou interferir na Lava-Jato em uma reunião em Portugal com o presidente do STF, Ricardo Lewandowski. A assessoria do Supremo diz que o encontro tratou apenas sobre reajuste salarial de servidores do Judiciário.

Ontem, a Procuradoria-Geral da República não comentou o assunto. Teori Zavaski, relator da Lava-Jato, silenciou também. A legislação impede a divulgação de dados da colaboração antes do recebimento da denúncia.

 

Silêncio comprado

Segundo Delcídio, que foi preso por quase três meses por tentar comprar o silêncio do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, foi Lula quem pediu essa operação. O objetivo era proteger o amigo José Carlos Bumlai. O senador disse que o dinheiro saiu do bolso da família Bumlai. Foram pagos R$ 250 mil parceladamente à família de Cerveró, pagamentos que têm “base documental”, de acordo com Delcídio. O jornal não identificou a defesa de Bumlai, que está preso em Curitiba. O Instituto Lula negou que o ex-presidente tenha praticado irregularidades.

 

Traição à solta

Ops! A nota de Delcídio e do advogado deu bobeira. Em poucas linhas, bateu duas vezes na língua. Foram pancadas diferentes. Uma nasceu da pressa. Sem releitura, ficou lá, fazendo feio. É o caso de “sua a defesa”. A outra decorre de primário malfeito. Trocar tampouco por tão pouco joga no time de quem confunde Germano com gênero humano. Confia no inconfiável — Sua Excelência judas, o ouvido. (Dad Squarisi)

 

Fala, senador

Os principais termos do pré-acordo de delação premiada feito pelo parlamentar

 

1. Dilma e a soltura dos empreiteiros

» A presidente da República e o então ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, operaram para soltar os presidentes das empreiteiras Odebrecht, Marcelo Odebrecht, e da Andrade Gutierrez, Otávio Azevedo. Para isso, acertaram indicar Marcelo Navarro para o cargo de ministro de STJ, que teria aceitado a missão. O presidente do STJ, Francisco Falcão, também teria falado com o indicado. “Dilma solicitou que Delcídio conversasse com o desembargador Marcelo Navarro, a fim de que ele confirmasse o compromisso de soltura de Marcelo e Otávio”, diz a narrativa feita pelo Ministério Público, sobre os compromissos assumidos pelo senador em fornecer informações. Dilma e Cardozo tinham “movimentação sistemática”, com apoio do advogado e ex-deputado Sigmaringa Seixas (PT-DF) para tentar soltar réus do caso.

 

2. Outras investidas contra a Lava-Jato

» Dilma se reuniu em Portugal com o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, em 7 de julho de 2015, para tentar fazer “mudança nos rumos” da Lava-Jato, segundo a Istoé. O magistrado não aceitou. Em Santa Catarina, Cardozo teria oferecido a indicação de um ministro para o STJ se o desembargador convocado Newton Trisotto — que ocupava a vaga provisoriamente — votasse pela soltura de réus do caso. O magistrado negou a proposta.

 

3. Lula e o “cala-boca” em Cerveró

» O ex-presidente Lula pediu a Delcídio que providenciasse dinheiro para o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró não fazer colaboração premiada e poupar seu amigo José Carlos Bumlai. Segundo o senador, o dinheiro saiu do bolso de Bumlai e foram pagos R$ 250 mil parceladamente à família do réu, pagamentos que têm “base documental”.

 

4. Dilma e Pasadena

» “Delcídio sabe que Dilma Rousseff (...) tinha pleno conhecimento de todo o processo de aquisição da refinaria de Pasadena e de tudo que esse encerrava”, diz o MP ao relatar as falas indiciais do senador. A compra envolveu prejuízos à Petrobras e outros delatores indicaram receber propinas no esquema.

 

5. Indicação de Cerveró

» A presidente Dilma participou da indicação de Cerveró para a BR Distribuidora, ao contrário do que afirmara antes. Houve “ingerência”, segundo anotação no título do anexo do termo de colaboração premiada

 

5. “Cala-boca” em Marcos Valério

» Lula e o ex-ministro Antônio Palocci participaram, em 2006, de uma operação para comprar o silêncio do publicitário Marcos Valério, operador do mensalão. Em 14 de fevereiro, Delcídio diz que se reuniu com Paulo Okamotto em Belo Horizonte e tratou do pagamento de R$ 220 milhões. Depois ligou para Lula e afirmou: “Acabei de sair do gabinete daquele que o senhor enviou a Belo Horizonte. Corra, presidente, senão as coisas ficarão piores do que já estão”. Depois, o senador recebeu ligação de Palocci, afirmando que assumiria a responsabilidade por pagar os valores. A dívida foi paga em parte, mas Valério se calou.

 

6. Caixa dois em 2010

» Delcídio diz que houve uma ação de caixa dois na campanha de 2010 de Dilma, operada pelo doleiro Adir Assad. A CPI dos Bingos ia descobrir o esquema, mas o governo barrou a investigação. “Orientados pelo tesoureiro da campanha, José Filippi, os empresários faziam contratos de serviços com as empresas de Assad, que repassava os recursos para as campanhas eleitorais”, narra o anexo do acordo.

 

7. Zelotes

» Delcídio disse que Lula lhe pediu “por várias vezes” que impedisse a CPI do Carf, derivada da Operação Zelotes, de ouvir os lobistas Mauro Marcondes e Cristina Mautoni. O temor era o envolvimento de seu filho Luiz Cláudio Lula da Silva, que recebeu R$ 2,5 milhões do casal preso sob acusação de ‘comprar’ medidas provisórias.

 

8. Propina para congressistas da CPI

» Delcídio disse que “sabe de ilicitudes envolvendo o desfecho da CPI que apurava os crimes no âmbito da Petrobras” e de manobras para evitar a convocação dos empreiteiros Léo Pinheiro e Ricardo Pessoa e do lobista Júlio Camargo. “Os senadores Gim Argello, Vital do Rego e os deputados Marco Maia e (Fernando) Francischini cobravam pedágio para não convocar e evitar maiores investigações”, narra o documento.