Correio braziliense, n. 19285, 14/03/2016. Cidades, p. 19

Unidos contra o feminicídio

VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER » Manifestações, atos de repúdio e debates movimentarão a Universidade de Brasília (UnB), local onde universitária de 20 anos morreu assassinada na última quinta-feira. As discussões também chamarão a atenção para a insegurança dentro do câmpus
Por: NATHÁLIA CARDIM

NATHÁLIA CARDIM

 

Em menos de 48 horas, entre quinta-feira e sábado, dois crimes bárbaros chocaram os brasilienses. Os homicídios de Louise Maria da Silva Ribeiro, 20 anos, na Universidade de Brasília (UnB), e de Jane Carla Fernandes Cunha, também de 20, em Samambaia, trouxeram à tona a importância das discussões sobre a violência contra a mulher e o crescimento de casos de feminicídio na capital, além da questão sobre a segurança no câmpus. O ex-namorado de Louise Vinícius Neres, 19, assassino confesso, foi levado ontem para o Complexo Penitenciário da Papuda. No caso de Jane, morta por Jonathan Pereira Alves, 23, o assassino cometeu suicídio depois de matar a ex-namorada.

Para reacender a discussão do desrespeito ao gênero e prestar homenagens à jovem estudante morta no Laboratório de Anatomia do Instituto de Ciências Biológicas (IB), pelo menos quatro manifestações e rodas de conversa estão previstas para a semana (leia Programe-se). Um protesto oficial de repúdio à violência foi convocado para hoje, às 15h30. O evento deve ocupar o Teatro de Arena do Câmpus Darcy Ribeiro, na Asa Norte — a UnB é responsável pela convocação. A ideia é de que toda a comunidade acadêmica se una em uma homenagem a Louise, assassinada na noite de quinta-feira. Também devem participar do evento representantes da ONU Mulheres Brasil.

A diretora do IB, Andréa Maranhão, disse que o objetivo do ato de repúdio é reunir as pessoas que gostavam da Louise para celebrar a vida dela. “Vamos reiterar a indignação e o pesar pela morte violenta da nossa aluna. Queremos estar juntos das pessoas que tanto gostavam dela. Como o pai da jovem mesmo disse, ela amava a UnB e merece essa homenagem. É claro que queremos segurança sempre, mas o que aconteceu independe da questão de insegurança. É um ato violento praticado por uma pessoa que estava insana”, explicou.

Pesquisadora do Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero da UnB, Débora Diniz ponderou a necessidade de a instituição abrir a discussão sobre a segurança no câmpus e evidenciou a urgência de se discutir crimes ligados a questões de gênero. Ela definiu a morte da jovem como uma tragédia. “Não temos nenhuma dúvida de que o crime é classificado como feminicídio. Não importa agora saber se a vítima tinha ou não um relacionamento com o assassino. Em vez de pensarmos em uma discussão sobre histórias amorosas, sabemos que se trata de um homem que matou uma mulher, apenas por uma desilusão”, disse.

Para ela, é preciso tomar iniciativas efetivas de segurança. “O que me interessa neste momento é saber qual é o papel que a universidade pública pode assumir a partir de agora. Temos de pensar como poderemos encontrar, urgentemente, medidas de esclarecimento e de prevenção para que outros casos trágicos não ocorram. Sem esquecer o que aconteceu, precisamos olhar para a frente e agir. Estudantes, professores e servidores necessitam de segurança”, defendeu.

Débora fez um manifesto em favor de Louise nas redes sociais, com mais de 6 mil acessos. No vídeo, a professora explica que, entre 2006 e 2011, uma em cada três mulheres vítimas de mortes violentas sofreram feminicídio e 80% das vítimas morreram por ataques de namorados e ex-companheiros. Ela classificou o vídeo como grito de luto e de mulheres indignadas com a persistência desse tipo de crime na sociedade brasileira. Os dados apresentados por Débora são de pesquisa que analisou laudos cadavéricos e processos judiciais dos assassinatos de mulheres ocorridos no DF naquele período. O estudo foi publicado em 2015 pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.

Segundo a professora de antropologia e ativista do Fórum de Mulheres do DF Lia Zanotta Machado, o assassinato de Louise confirma a importância de incluir a discussão dessa problemática nas salas de aula. “A questão do momento de separação não ser aceita por homens é uma das circunstâncias que aumentam a violência contra a mulher”, analisou. Ela acredita que o crime pode ter sido premeditado. “Ele sabia o que queria fazer. A fúria era uma raiva antiga pelo fato de ela tê-lo deixado, em função do pensamento de que ele deveria ter a posse dela. Para ele, a jovem não tinha condições de ter uma vida independente e feliz se não fosse com ele.”

Sobre o fato de o crime ter ocorrido no câmpus, a professora disse que não dá para culpar só a UnB. “Existe um problema de segurança pública. Os recursos financeiros e as propostas políticas não são suficientes para resolver a questão. O importante agora é reivindicar policiamento e mais iluminação no espaço acadêmico”, defendeu.

O último balanço do Ligue 180 (veja Disque-Denúncia), divulgado pela Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, mostrou que o DF apareceu como a unidade da Federação com a maior taxa de relatos de violência na Central de Atendimento à Mulher no ano passado.O serviço realizou 749.024 atendimentos no país. Essa quantidade foi 54,40% superior aos dados de 2014 (485.105).

 

Programe-se

Homenagem à Louise, pela paz e contra a violência dirigida a mulheres

 

Onde: Instituto de Ciências

Biológicas da UnB

Quando: hoje

Horário: às 10h

 

Roda de Conversa: Louise,

feminicídio e segurança na UnB

 

Onde: Instituto Central de

Ciências Norte (ICC Norte)

Quando: hoje

Horário: às 12h30

 

Ato contra a violência em

homenagem à estudante Louise Maria

 

Onde: Teatro de Arena, no

Câmpus Darcy Ribeiro (Asa Norte)

Quando: hoje

Horário: às 15h30

 

Segurança na UnB

violência nunca mais

 

Onde: Instituto Central de

Ciências Norte UnB (ICC Norte)

Quando: amanhã

Horário: às 12h

 

Disque-denúncia

Em março de 2014, o Ligue 180 assumiu a atribuição de disque denúncia e passou a acumular as funções de acolhimento e orientação da mulher em situação de violência, com a tarefa de enviar os casos de violência aos órgãos competentes pela investigação (com a autorização das usuárias). Desde então, foram realizadas 65.391 denúncias, encaminhadas a órgãos da segurança pública, sistema de justiça, direitos humanos e assistência consular. A ligação é gratuita, disponível 24 horas, todos os dias da semana.

 

Memória

2015

Em 18 de junho, a adolescente Emilly Cristiny da Silva, 14 anos,  foi encontrada morta no Parque Lago do Cortado, em Taguatinga Norte. Ela estava com os pés e as mãos amarrados, além de apresentar sinais de traumatismo craniano e de violência sexual. Pouco menos de um mês após o crime, Robson Gonçalves Souza Silva, 24, confessou o crime à polícia. Ele responde por estupro e homicídio qualificado, com agravo de estrangulamento.

Em 3 de abril, a Polícia Civil de Padre Bernardo prendeu um homem suspeito de envolvimento no crime da jovem Lorrayne Barbosa Alves, 14, encontrada morta, com sinais de violência sexual, em um terreno baldio no distrito de Trajanópolis, em Padre Bernardo. A adolescente teria sido estuprada e abandonada em um matagal. Lorrayne era filha de um sargento da PM, lotado no município goiano.

 

2007

Em maio de 2007, Isabela Tainara, 14 anos, desapareceu quando saiu do curso de inglês, no Sudoeste. Foi encontrada morta 45 dias depois em um matagal de Samambaia. Quando o caso estava às vésperas de completar um ano, o autor do crime foi apresentado pela Polícia Civil. O ex-gari Michael Davi Ezequiel dos Santos, 21, chegou a afirmar que era namorado da menina e que, portanto, não teria coragem de matá-la, mas depois confessou o assassinato. Ele foi condenado por extorsão mediante sequestro, seguido de morte, com pena de 25 anos e 8 meses de prisão em regime fechado.

 

2004

Maria Cláudia Del’Isola foi estuprada, morta e enterrada na própria casa, no Lago Sul, na manhã de 9 dezembro de 2004. A estudante de pedagogia e psicologia tinha apenas 19 anos. Além de Adriana, o então caseiro da família, Bernardino do Espírito Santo, participou do assassinato. Eles imobilizaram, agrediram e estupraram a estudante. A dupla esfaqueou Maria Cláudia e acertou a cabeça dela com uma pá. O corpo foi enterrado embaixo da escada da casa da família Del’Isola, e a polícia só conseguiu localizar o cadáver três dias depois. Nesse período, os assassinos permaneceram na residência e dissimularam o crime bárbaro. Ambos foram condenados.

 

1987

Em 10 de julho, Marcelo Bauer matou a estudante da UnB Thaís Muniz. A estudante morreu com um tiro na cabeça e 19 facadas, depois de ser asfixiada com uma substância tóxica. O motivo do homicídio: ciúmes. O inquérito afirma que o crime ocorreu no carro dele. O criminoso, que cursava sociologia na Unb, fugiu antes do julgamento. Foi para a Dinamarca e para a Alemanha, falsificou documentos e criou identidades. Julgado à revelia pelo Tribunal do Júri de Brasília, acabou condenado a 18 anos de prisão, ainda em 1987. Em 19 de maio de 2014, o STF manteve a condenação de Marcelo Bauer. O ministro Celso de Mello negou o pedido de habeas corpus da defesa.