O globo, n. 30.157, 01/03/2016. País, p. 4

Sob pressão de Lula e do PT, Dilma tira de Cardozo o comando da PF

Para o Ministério da Justiça vai procurador da Bahia ligado a Wagner

Por: Simone Iglesias/ Catarina Alencastro/ Eduardo Barretto

 

- BRASÍLIA- Desgastado com as pressões do PT e do ex- presidente Lula, que exigia maior controle sobre as investigações da Polícia Federal na Operação Lava- Jato, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, deixou o cargo. Pessoas ligadas a Lula no governo admitem que a saída de Cardozo foi um gesto que a presidente Dilma Rousseff foi obrigada a fazer para acalmar o expresidente e o PT. No lugar de Cardozo, assumirá Wellington César de Lima e Silva, ex- procurador de Justiça da Bahia, indicado pelo ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, a quem é ligado. A presidente aceitou o pedido de demissão de Cardozo.

Segundo um auxiliar de Dilma no Planalto, esgotou- se a paciência de Lula, que considera existir uma máquina trabalhando contra ele. Diante do esgarçamento da relação, o expresidente espera agora que Dilma faça demonstrações em favor dele, sob pena dele “soltar as rédeas do PT” para atacála. Exonerar Cardozo foi o primeiro passo. O próximo, segundo esperam os petistas, é que ela faça uma mudança de rota na política econômica.

 

NO LUGAR DE ADAMS

Cardozo vai para a Advocacia-Geral da União, em substituição a Luís Inácio Adams, que deixou o cargo ontem. Cardozo vinha ameaçando entregar a pasta desde o ano passado, mas não queria abandonar o governo. Uma pessoa próxima a ele conta que, longe da Lava- Jato e da ira do PT e de Lula, Cardozo tentará construir uma indicação ao Supremo.

No entanto, o próximo ministro a se aposentar compulsoriamente será Celso de Mello, e só em 2020.

As críticas que Cardozo sofreu no diretório nacional do PT, na sexta- feira e no sábado, tornaramse o estopim para a saída. A pessoas próximas, o ministro disse que não tinha mais condições de ficar no cargo pelas pressões que vinha sofrendo. Ele fez críticas ao PT, partido ao qual é filiado, por “exigir” interferências na Lava- Jato. Por outro lado, o discurso que Dilma adotou para responder aos questionamento sobre as investigações é o de que a PF tem autonomia para trabalhar, o que, segundo ela, não acontecia em governos anteriores ao do PT.

Ontem, depois das duas reuniões com Dilma, Wagner e Ricardo Berzoini ( Secretaria de Governo), Cardozo foi para casa e voltou no meio da tarde para nova conversa com a presidente, no Palácio do Planalto. Sua posse na AGU ocorrerá quinta- feira, assim como a de Wellington na Justiça. Dilma também aproveitou para nomear o novo ministro da ControladoriaGeral da União, Luiz Navarro. A pasta estava sem titular desde que Valdir Simão foi para o Planejamento.

 

WAGNER SAI EM DEFESA DE LULA

Depois de oficializadas as mudanças pela presidente, numa nota oficial, Wagner fez a defesa de Lula nas redes sociais. Utilizando a festa de aniversário de 36 anos do PT como contexto, afirmou que o ex- presidente continua “forte e resiliente” e “jamais se intimidará”. O ministro publicou foto que mostra Lula discursando, de punho erguido, com a frase: “Se quiserem me derrubar, vão ter que me enfrentar na rua. Se for necessário, em 2018 eu volto a disputar a eleição”.

O diretor- geral da Polícia Federal, Leandro Daiello, não sairá automaticamente. Segundo pessoas próximas, ele ficará no cargo, pelo menos, até agosto.

Desde o ano passado envolvido com a defesa de Dilma no Tribunal de Contas da União no caso das “pedaladas fiscais”, Adams deixou para Cardozo e para a coordenação jurídica da campanha de Dilma a defesa contra o impeachment e do julgamento de suas contas de 2014 no Tribunal Superior Eleitoral.

Na semana passada, quando o PSDB aditou à ação contra Dilma o material referente à prisão do marqueteiro João Santana, ninguém no governo quis contestar a medida. Cardozo divulgou nota oficial repudiando o aditamento. No entanto, após a nota passar pelos gabinetes palacianos, acabou assinada pelo advogado de Dilma, Flávio Caetano, porque o Planalto não quis associar um ministro de Estado diretamente ao caso.

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Oposição e entidades policiais veem risco de interferência em investigações da Lava- Jato

Já as associações de procuradores e peritos criminais elogiam a escolha de Wellington

Por: Eduardo Bresciani/ Isabel Braga/ Jailton Carvalho

 

- BRASÍLIA- A oposição criticou ontem a saída de José Eduardo Cardozo do comando do Ministério da Justiça e avisou que não aceitará qualquer tipo de ingerência sobre a autonomia da Polícia Federal ou ameaças à Operação Lava- Jato. Para a oposição, a demissão expõe a pressão de petistas e do ex- presidente Lula sobre o governo na tentativa de controlar a PF, e enfraquece a presidente Dilma Rousseff. O líder do governo no Senado, Humberto Costa ( PTPE), negou que a troca seja decorrente de pressão do PT e disse que foi de rotina.

Pelas redes sociais, o presidente do PSDB, senador Aécio Neves, disse que “o país não aceitará qualquer tentativa de interferência na autonomia da Polícia Federal ou de cerceamento das nossas instituições”.

— O que o PT e Lula querem é que o ministro da Justiça controle as atividades da Polícia Federal e as investigações que atingem membros do governo e do partido. É inadmissível e condenável qualquer tentativa de interferência — disse o líder do PSDB na Câmara, Antonio Imbassahy ( BA).

O líder do DEM, Pauderney Avelino ( AM), diz que ficará atento a qualquer tentativa de reduzir o orçamento da PF:

— Vamos ficar alertas e evitar o esvaziamento do orçamento da PF, que tem que manter sua independência. O governo pode agir promovendo a sufocação orçamentária do órgão.

 

ENTIDADES SINDICAIS DIVIDIDAS

Senadores governistas negaram pressão do PT para a saída de Cardozo. Humberto Costa disse que o ministro já tinha manifestado três vezes a intenção de sair, até por questão de saúde.

— O PT, que eu saiba, não tem feito pressões para frear as investigações. A marca do PT sempre foi o fortalecimento dos órgãos de controle e o novo ministro dará continuidade a esse trabalho — disse .

— Qualquer ministro que entrar vai ter a postura de José Eduardo Cardozo. Os delegados têm autonomia para instaurar inquéritos sem precisar de autorização — acrescentou Gleisi Hoffamnn ( PT- PR)

Entidades sindicais da PF e do Ministério Público se dividiram sobre a troca de comando. A Associação Nacional de Delegados da PF ( ADPF) e a Federação Nacional ( Fenapf ) criticaram a decisão de Dilma que, para dirigentes das duas instituições, pode abrir caminho para futuras interferências em investigações da polícia.

A Associação Nacional dos Procuradores da República ( ANPR) e Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais elogiaram a escolha do novo ministro, Wellington César Lima e Silva, e acrescentaram que não há risco de ele restringir investigações criminais.

A ADPF reagiu. “Os delegados da Polícia Federal receberam com extrema preocupação a notícia da iminente saída do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, em razões de pressões políticas para que controle os trabalhos da Polícia Federal”, diz nota divulgada pelo presidente da associação, Carlos Eduardo Miguel Sobral. A Fenapf elogiou o novo ministro, mas também se disse preocupada com mudanças.

    Senadores relacionados:

    • Aécio Neves
    • Gleisi Hoffmann
    • Humberto Costa

    Órgãos relacionados:

    • Câmara dos Deputados
    • Senado Federal

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    Opinião

     
    COLÔNIA DE FÉRIAS
     

    APRESENTADA AO contribuinte por reportagem do GLOBO, a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial ( ABDI), mantida em parte pelo Erário, é um ente peculiar no universo dos aparelhos lulopetistas incrustados na burocracia.

     

    TRIPULADA POR militantes que atuaram na campanha da presidente à reeleição, a começar pelo seu presidente, o gaúcho Alessandro Teixeira, a agência é vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, e tem um status jurídico híbrido — autônomo de “natureza privada”.

     

    PERMITE- SE, então, pagar altos salários e conceder ambicionadas mordomias. Mas o que ela produz de concreto é algo misterioso. Trata- se, então, de um aparelho cuja função parece ser de colônia de férias bem remuneradas para militantes cansados.