O Estado de São Paulo, n. 44700, 06/03/2016. Metrópole, p. A18

Com 7 mil grávidas com suspeita de zika Colômbia vive temor da microcefalia

Lígia Formenti

A enfermeira Jasmim Otero já se acostumou com a nova rotina. Há dois meses, todas as vezes que uma mulher chega ao consultório da unidade de saúde trazendo um teste de gravidez com resultado positivo, a primeira pergunta é: teve coceiras, manchas pelo corpo, febre? “Peso, alimentação, doenças de família não são mais prioridade. Agora o mais importante é saber se tiveram sintomas de zika”, diz.

A profissional trabalha em Comuneros, uma das áreas de maior risco para a doença em Cúcuta, capital do Departamento Norte de Santander, na fronteira com a Venezuela, e cidade campeã em número de casos de zika na Colômbia – segundo país em número de casos da doença, atrás apenas do Brasil. “Pelo menos metade da população teve a infecção”, garante a enfermeira.

Nome e endereço são registrados. “Se elas faltam às consultas, um agente vai até a casa ver o que aconteceu”, conta. Quando os sintomas são recentes, exames para identificar a presença do vírus são feitos. Se as queixas são mais antigas, sangue é coletado e enviado para um banco, onde são armazenados materiais de todas as gestantes com queixas. A esperança é de que esse material seja útil tão logo um novo exame, capaz de identificar uma infecção ocorrida há mais tempo, esteja disponível.

 

Oportunidade. “Estamos acompanhando essas mulheres em tempo real”, afirma o diretor do Instituto Departamental de Saúde de Cúcuta, Juan Alberto Bitar. “Temos aqui uma oportunidade que o Brasil não teve.”

O esforço é para tentar coletar o máximo de informações para comprovar se a transmissão do zika da mãe para o bebê pode provocar microcefalia – como acreditam autoridades brasileiras. Por enquanto, estão sendo acompanhadas cerca de 7 mil gestantes colombianas que apresentaram sintomas do vírus. Só em Cúcuta são 1.117 casos – dos quais 119 foram confirmados laboratorialmente.

“Dados do Brasil indicam que pode haver uma associação entre zika e a má-formação. Mas isso não é suficiente para estabelecer a causalidade. É necessário esperar outros estudos”, afirmou ao Estado o vice-ministro de Saúde da Colômbia, Fernando Ruiz Gómez. “Vamos servir como um ponto de comparação com o Brasil. De lá, existem algumas deduções, hipóteses. Com esse acompanhamento na Colômbia, temos chances de encontrar respostas.”

Três estudos estão sendo feitos no país, em colaboração com o Centro de Controle de Doenças americano. Um para identificar a incidência da doença na população em geral, outro para a relação entre microcefalia e zika e um terceiro, sobre casos da síndrome de Guillain-Barré, uma doença autoimune, tradicionalmente resultado de uma infecção por vírus e bactéria. Resultados preliminares dos trabalhos são esperados para o primeiro semestre de 2017.

Embora o governo colombiano tenha recomendado que mulheres adiassem planos de gravidez, usassem telas de proteção e repelentes para evitar picadas de mosquito, autoridades são cuidadosas ao falar sobre a relação direta com microcefalia.

Gómez, por exemplo, afirma que, até o momento, dos 11 casos de má-formação suspeitos de estarem relacionados com zika, dez já foram descartados e um ainda está em investigação. Um aborto foi feito, mas o vice-ministro afirma que outras deformações foram encontradas, não microcefalia.Anteontem, porém, a revista científica Nature relatou três casos de más-formações que, segundo cientistas colombianos, já estariam ligados ao vírus zika. O detalhamento foi enviado a uma revista científica britânica.

O que explicaria então o aumento de registros? “No caso do Brasil, outros fatores podem estar relacionados”, disse o vice-ministro, que fala da possibilidade de subnotificação – seria um problema antigo agora relatado. Outro fator que poderia explicar o aumento de casos no Brasil, avalia, seriam causas ambientais, incluindo a interação com outras enfermidades, como chikungunya e dengue.

 

 

Divergência. Há, no entanto, quem pense diferente. Ricardo Montoya Gonzales, médico obstetra do Hospital Universitário Erasmo Meoz, de Cúcuta, avalia que o aumento de casos da má-formação entre bebês é uma questão de tempo. “Se o padrão do Brasil se repetir, o aumento começará a ser registrado depois de abril. É esse o tempo para que bebês infectados no primeiro trimestre de gestação comecem a nascer.”

________________________________________________________________________________________________________

Governo trabalha com possibilidade de 500 bebês afetados

 

 Pelos cálculos do governo, se a história brasileira se repetir entre colombianos, é esperada para este ano a ocorrência na Colômbia de pelo menos 500 bebês com a má-formação. Enquanto médicos e epidemiologistas colombianos permanecem de sobreaviso para identificar alterações, a população se apavora.

Exibindo o teste positivo de gravidez, a estudante Diana Duarte, de 16 anos, não escondia a preocupação na terça-feira. “É quase uma ameaça invisível. A gente nunca sabe quando vai ser picado. Um descuido e você pode prejudicar a vida de um bebê.”

Ela conta que, desde que desconfiou estar grávida, a ideia de contaminação a atormenta. “É um misto de alegria e tensão. Não durmo direito, só pensando nisso.” Considerada região propícia para o Aedes aegypti, Cúcuta é uma cidade de altas temperaturas, que tornam o uso de calças compridas e blusas de manga longa quase uma tortura. “Aí, junta a alegria do bebê, o medo do mosquito e a culpa por não usar roupas que sufocam.”

________________________________________________________________________________________________________

Problemas locais espelham o Nordeste brasileiro

 

Sexta cidade da Colômbia, Cúcuta é classificada como hiperendêmica para doenças ligadas ao Aedes aegypti. Primeiro veio a dengue, com seu rastro de casos graves e aumento dos atendimentos. Há dois anos, foi a vez da chikungunya. O médico Samuel Bautista se recorda que a doença, que provoca dores nas articulações, fez tamanho estrago na cidade em 2014 que, em uma noite de dezembro, nada menos do que 64 funcionários do Hospital Universitário Erasmo Meoz estavam afastados por incapacidade.

“Foi o caos. O hospital cheio e sem funcionários, que também estavam doentes.” Com a zika é diferente. Embora ela tenha chegado com força na cidade, a primeira onda foi silenciosa. Três ou quatro dias de mal-estar, algo que não sobrecarrega serviços de saúde ou que mude de forma significativa a rotina da cidade. “Mas claro que já havia a situação do Brasil, o que colocou todos em estado de alerta.” Como o Nordeste do Brasil, Cúcuta é quente e seca e os criadouros não estão associados a pratos de plantas. Os mosquitos se proliferam graças à intermitência no abastecimento. Para driblar a falta de água, a população se de fende com tanques de água, caixas, poços. Empobrecida, a comunidade não tem muitas vezes recursos para providenciar uma cobertura adequada para os poços, caixas ou latões. “Não há uma casa aqui que não tenha um reservatório”, garante o diretor da Clínica Medical Duarte, de Cúcuta, Ruben Dario Santiago. Com o fenômeno El Niño, o problema se intensificou.

Cúcuta ainda tem um problema adicional: a população flutuante. Situada na fronteira com a Venezuela, a cidade ainda recebe um número significativo de pessoas vindas daquele país. “Estamos tomando medidas de prevenção, mas não há como responder pelo que acontece no país ao lado”, diz o diretor do Instituto Departamental de Saúde de Cúcuta, Juan Alberto Bittar. “É uma combinação perfeita para que o problema se estenda por ainda mais tempo.” A estimativa é deque os serviços de saúde de Cúcuta tenham atendido 40 gestantes com zika moradoras da Venezuela. “Estamos em busca dessas mulheres, mas não conseguimos localizá-las”, ressalta Bittar.

Também em Cúcuta vive um grupo de 27 famílias de portadas no ano passado da Venezuela, em um acampamento improvisado, encravado no meio da cidade. “Temos aqui 25 crianças. Do grupo, boa parte já pegou zika”, afirma Beatriz Loaiza, de 46 anos. “Vivemos aqui sem perspectivas, sem ajuda do governo.  Apenas temos comida, doada pelas pessoas.

 

 

Governo. O vice-ministro Fernando Gómez diz que a solução é o combate aos criadouros, o uso de larvicidas e campanhas com a população. “Há uma mobilização. Tanto é que,desde janeiro, zika é a palavra mais procurada no Google na Colômbia.”