O Estado de São Paulo, n. 44700, 06/03/2016. Metrópole, p. A19

Choro constante é marca de bebês com má-formação

Monica Bernardes

Paula Felix

Amor e paciência. Essa é a “receita” da recepcionista Daniele Santos para a rotina de cuidados com João Pedro, seu filho caçula, de 3 meses de idade. Diagnosticado com microcefalia quando ainda estava no útero, o bebê apresenta um comportamento bastante irritadiço na maior parte do tempo.

“Ele chora muito e é bastante impaciente. O dia a dia é um desafio grande, mas vamos aprendendo o que fazer para tentar deixá-lo o mais confortável possível. Já sabemos que o banho é um dos momentos em que ele relaxa, demonstra prazer e se acalma. Então, tentamos aproveitar ao máximo para brincar e estimulá-lo”, detalha Daniele.

Esse comportamento não é exclusivo de João Pedro. Crianças com lesões cerebrais, não apenas as causadas pelo vírus da zika, choram mais do que as demais, segundo Nelson Douglas Ejzenbaum, pediatra da Sociedade Brasileira de Pediatria e especialista em recém-nascidos de alto risco. “O alarme para a criança é o choro, a forma de dizer que algo está errado. Quando não tem um cérebro saudável, o bebê acaba sendo irritadiço.”

Professor de neurologia infantil da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Marcelo Masruha Rodrigues explica que a reação do bebê não necessariamente está relacionada com dor. “Pode até haver em algum casos. Quando há aumento de tônus muscular, com rigidez dos membros, a criança pode ter dificuldade para ser vestida e tirar a roupa, com aumento da pressão na região de dobras. Nos bebês menores muito irritados, a maioria não tem relação com dor.”

Essas não são as únicas complicações. “Essa microcefalia é decorrente de um dano grande no cérebro, que leva a uma alteração no desenvolvimento e pode ter uma constelação de problemas, como crises convulsivas, tensão da musculatura, choro inconsolável e dificuldade para sustentar a cabeça”, diz Fernando Kok, professor do Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).

 

Zika. Em contrapartida, segundo Daniele, João Pedro tem conquistado vitórias no desenvolvimento motor. “Comparando a firmeza do pescoço e o controle do corpinho, ele está bem próximo de como a mais velha se comportava nesta mesma idade. Não é a mesma coisa, mas é bem parecido e isso é muito bom”, comemorou.

Moradora do bairro de Apipucos, na zona norte do Recife, Daniele nunca chegou a ser diagnosticada com zika, mas lembra que sentiu alguns dos sintomas da doença aos quatro meses de gestação. “Fiquei com febre, dor no corpo e pintas vermelhas na pele por dois dias seguidos. Mas não fiz nenhum exame. Quando ele estava com cinco meses, o médico do ultrassom disse que havia algo errado. Mas só conseguimos fechar o diagnóstico aos sete meses de gravidez”, lembra. “Graças a Deus, tenho muito apoio da minha família. Meu marido, no começo, ficou sem ação, mas agora já está mais acostumado e interage ajudando sempre.”

A empregada doméstica Laís Fragoso também aposta em paciência e amor para amenizar o choro e a irritação da pequena Beatriz, de 4 meses, diagnosticada com microcefalia. Moradora da cidade de Camaragibe, na região metropolitana do Recife, Laís conseguiu atendimento médico para a filha logo na primeira semana de vida com o apoio da patroa, que é médica. “Ela ainda chora muito, mas está sendo acompanhada por um neuropediatra e aos poucos tenho notado que há pequenas melhoras.”

O Ministério da Saúde e os Estados investigam 4.222 casos suspeitos de microcefalia em todo o País – há 641 confirmados.

 

CARACTERÍSTICAS

 

DIAGNÓSTICO

 

● A dimensão do problema é identificada em um exame de tomografia. No pré-natal, o diagnóstico pode ser feito por meio de exames de imagem

● O perímetro cefálico é inferior a 31,9 cm para meninos e 31,5 cm para meninas

● O cérebro tem uma formação diferente: em vez da superfície normal com sulcos, semelhante a uma noz, parte dele aparece lisa nos bebês com diagnóstico de microcefalia

 

CAUSAS

 

Infecções da mãe durante a gestação por herpes, sífilis, toxoplasmose e citomegalovírus

 

Fatores genéticos

Infecções pelo vírus zika na gestante*

 

Período de maior risco

Não há confirmação, mas especialistas consideram que o risco de microcefalia é maior quando a infecção ocorre no primeiro trimestre da gestação. Esse é o período em que o sistema nervoso do feto está em formação

 

CASOS DA MÁ-FORMAÇÃO

 

● Em Estados brasileiros com alto índice de zika, notou-se uma explosão de casos de microcefalia.

 

Atualmente, 4.222 registros da má-formação estão sob investigação pelo Ministério da Saúde e pelas secretarias municipais e estaduais