Estudo do Rio pode ajudar a testar vacina ou remédio contra zika

11/04/2016

O mesmo grupo de pesquisadores do Rio de Janeiro que flagrou, pela primeira vez, a destruição causada pelo zika dentro de células humanas comprovou agora que o modelo usado por eles pode ser empregado para testar vacinas e medicamentos com segurança. O estudo revela ainda mecanismos da ação do zika nos neurônios. O trabalho está na edição desta semana da “Science” e é uma das raras pesquisas inteiramente produzidas no Brasil publicadas na revista, uma das bíblias da ciência mundial.

Desde 1887, a “Science” publicou 170 mil artigos, mas só 79 deles de produção integralmente brasileira, sendo 35 de São Paulo. A nova pesquisa foi realizada na Universidade Federal do Rio de Janeiro e no Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR), tendo sido financiada, majoritariamente, por fundos públicos, como Faperj, Finep e CNPq.

— É importante para o combate ao zika e para a autonomia da ciência brasileira. O triste é que, com os cortes de bolsas e fundos de pesquisa deste ano, não será mais possível desenvolver trabalhos assim. Pudemos responder rapidamente à demanda da sociedade brasileira, mas tememos pelo futuro — afirma o líder do trabalho, o neurocientista da UFRJ e do IDOR Stevens Rehen.

Ele e o grupo integrado por Amílcar Tanuri, Patricia Garcez, Rodrigo Brindeiro e outros seis cientistas usaram tecnologia de ponta para investigar como o zika destrói células do sistema nervoso. Trabalharam com células-tronco do sistema nervoso e estruturas chamadas neuroesferas e organoides cerebrais, os minicérebros.

ZIKA: PIOR QUE DENGUE 2

O trabalho obteve célulastronco por meio de uma tecnologia que as induz a “regredirem”. Com isso, células maduras se tornam células-tronco. Com elas, Rehen e seu grupo puderam desenvolver neuroesferas, que a grosso modo são estruturas 3D do tecido nervoso e minicérebros.

Esses são uma ferramenta poderosa para simular o cérebro humano em desenvolvimento. Permitem acompanhar a devastação que o zika provoca no sistema nervoso dos fetos, o que seria, por motivos óbvios, impossível de se fazer de outra forma. O estudo revelou que os minicérebros infectados pelo zika sofreram maciça morte de neurônios, malformações e tiveram redução de crescimento de cerca de 40%. Para fins de comparação, os cientistas testaram o efeitos do vírus da dengue 2 nos minicérebros.

— A dengue 2 é capaz de infectar, mas não destrói as células nervosas. Nem de longe tem os efeitos do zika — diz Rehen.

O cientista observa que a tecnologia para desenvolver minicérebros é de extrema relevância.

— Esse tipo de trabalho é caro, mas a epidemia causa danos incalculáveis — destaca.

Uma das raras especialistas em microcefalia do país, a neurocientista Patricia Garcez espera que a continuação do estudo revele muito mais sobre o avanço do zika no cérebro dos fetos.

 

O globo, n. 30198, 11/04/2016. Rio, p. 12