Correio braziliense, n. 19286, 15/03/2016. Brasil, p. 6

Política de igualdade racial fracassa no Brasil

RACISMO » Organização das Nações Unidas (ONU) aponta que país não mudou face da miséria que afeta negros. Dos 16,2 milhões de pessoas vivendo em extrema pobreza, 70,8% são afrodescendentes. Os salários médios são 2,4 vezes mais baixos do que os recebidos pelos brancos

 

Apesar de 20 anos de iniciativas para reduzir a disparidade vivida pelos negros na sociedade brasileira, a Organização das Nações Unidas (ONU) afirma que o Brasil “fracassou” em mudar a realidade de discriminação e da pobreza que afeta essa parcela da população. Raio-X da situação da população afro-brasileira, apresentado ontem, no Conselho de Direitos Humanos, a ONU aponta que houve “um fracasso em lidar com a discriminação enraizada, exclusão e pobreza enfrentadas por essas comunidades” e denuncia a “criminalização da população negra no Brasil”.

O documento obtido pela reportagem foi preparado pela relatora sobre Direito de Minorias da ONU, Rita Izak, que participou de uma missão no Brasil em setembro do ano passado. Suas conclusões indicam que o mito da democracia racial continua sendo um obstáculo para se reconhecer o problema do racismo no Brasil. “Esse mito contribuiu para o falso argumento de que a marginalização dos afro-brasileiros se dá por conta de classe social e da riqueza, e não por fatores raciais e discriminação institucional”, constatou a relatora.

Para ela, “lamentavelmente, a pobreza no Brasil continua tendo uma cor”. Das 16,2 milhões de pessoas vivendo em extrema pobreza no País, 70,8% deles são afro-brasileiros. Segundo o levantamento da ONU, os salários médios dos negros no Brasil são 2,4 vezes mais baixos que o dos brancos e 80% dos analfabetos brasileiros são negros.

Os afro-brasileiros continuam no ponto mais baixo da escala socioeconômica, afirma Izak. Ele destaca que “64% deles não completam a educação básica”. Em sua avaliação, mesmo com projetos como Bolsa Família, a desigualdade persiste.

O impacto dessa situação social é que muitos “vivem às margens da sociedade”. “Para a juventude, o acesso limitado à educação de qualidade, a falta de espaços comunitários, altas taxas de abandono da escola e crime significam que tem poucas ambições ou perspectivas de vida”, salienta.

As cotas em diversas instituições, ainda que tenham sido elogiadas pela ONU, não foram suficientes para ter um impacto maior na desigualdade. Rita lamenta o fato de o sistema não existir no Legislativo, no Poder Judiciário e também de não ser aplicável para postos de confiança.

No Judiciário, apenas 15,7% dos juízes são negros e não existe nenhum atualmente no Supremo Tribunal Federal. “Na Bahia, onde 76,3% da população se identifica como afro-brasileira, apenas 9 dos 470 procuradores do Estado são afro-brasileiros”, indicou. No Congresso, apenas 8,5% dos deputados são negros.

 

Violência

Um dos aspectos tratados pela ONU é o impacto da violência nessa parcela da população. A relatora disse ter ficado  “chocada com os níveis de violência no Brasil”. “Lamentavelmente, a violência tem uma clara dimensão racial”, ressaltou. Dos 56 mil homicídios no Brasil por ano, 30 mil envolveram pessoas de 15 a 29 anos. Desses, 77% eram garotos negros.

Segundo o levantamento da ONU, os números de negros que morreram como resultados de operações policiais em São Paulo são três vezes superiores do que é registrado em relação à população branca. No Rio de Janeiro, 80% das vítimas de homicídio resultante de intervenções policiais são negros.

 

Frase

"Lamentavelmente, a pobreza no Brasil continua tendo uma cor”

Rita Izak, relatora sobre Direito de Minorias da ONU