Correio braziliense, n. 19301, 30/03/2016. Política, p. 3

RELAÇÃO "INTERDITADA" COM TEMER

Por: JULIA CHAIB E PAULO DE TARSO LYRA

 

JULIA CHAIB
PAULO DE TARSO LYRA

 

 

A partir da oficialização do desembarque do PMDB, o governo intensificou as negociações para promover trocas nos postos a serem deixados vagos. Ontem, o ministro-chefe do gabinete pessoal da presidente Dilma Rousseff, Jaques Wagner, disse que a saída do partido abre espaço para uma “repactuação” e um “novo governo”.  Após o gesto da legenda, Wagner afirmou que terá uma relação “educada”, mas “politicamente interditada” com o vice-presidente Michel Temer, responsável por articular o rompimento da aliança.

Um novo desenho de ministério é esperado até sexta-feira. Dilma jantou ontem com ministros do núcleo duro para articular as mudanças. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva participaria do encontro. Além do varejo de cargos para aliados, uma estratégia do Planalto será atrelar a imagem de Temer à do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, que responde por denúncias de corrupção.

“Creio que a decisão deles chega numa boa hora, porque oferece à presidente Dilma uma ótima oportunidade de repactuar o seu governo. Pode-se falar de um novo governo, portanto, abre espaço político para a repactuação do governo”, disse Wagner. A aclamação rápida desagradou ao governo, que interpretou a atitude como uma demonstração de que o partido “ignorou”, “esqueceu” de 13 anos de aliança, disse um assessor.  Sobre a brevidade, Wagner respondeu: “Não sei qual era o objetivo. Talvez um título no Guinness Book (o livro dos recordes)”.

Segundo o ministro, é importante que o governo possa acomodar aliados e repactuar com novas forças políticas para enfrentar o processo do impeachment de Dilma. “Claro que essa é uma agenda do governo, conquistar votos no Congresso. Conquistar ou ampliar espaços de aliados, isso é só o que posso falar. Até sexta, espero que possamos dar mais concretude ao termo que estou usando como repactuação”, afirmou.

Dos sete ministros do PMDB que ocupam pastas, dois já manifestaram a intenção em ficar nos ministérios e pedir uma eventual licença da sigla: o titular da Ciência e Tecnologia, Celso Pansera, e da Saúde, Marcelo Castro. A ministra da Agricultura, Kátia Abreu, também deve ficar, mas disse que sairá do partido. Na segunda, o titular do Turismo, Henrique Eduardo Alves, foi o primeiro a pedir exoneração. Sobre a Casa Civil, o ministro ainda disse esperar que Lula assuma o cargo.

O governo espera redistribuir entre quatro e cinco pastas e de 580 a 600 cargos de segundo e terceiro escalões. Podem ser incluídos no varejo, além de PR, PSD, PTB e PP, legendas pequenas que não têm ministérios, como PTN e PHS. Ontem, ao longo do dia, Dilma reuniu-se com o ministro das Cidades, Gilberto Kassab (PSD), e do Transporte, Antonio Carlos Rodrigues (PR). Em edição extra do Diário Oficial, Dilma ampliou os limites do uso de verbas para empréstimos de oito ministérios. A presidente também cancelou a viagem de dois dias que faria amanhã aos Estados Unidos. A ideia é evitar que Temer assuma a Presidência provisoriamente.

A avaliação do Planalto é a de que, ocupando sete ministérios, o PMDB dava de 25 a 35 votos dos 69 possíveis. Agora, pode-se buscar a substituição com aliados para garantir uma maioria, não necessariamente absoluta, para votar contra o impeachment. A procura será por 230 a 240 votos na Câmara — acima dos 172 necessários para evitar que o processo passe para o Senado. O Planalto também quer dialogar com a parte do PMDB que não era a favor do rompimento. A aclamação do voto, inclusive, no lugar de uma votação com a manifestação de cada diretório estadual, foi encarada como uma forma de evitar que a parcela descontente do PMDB se manifestasse. Wagner evitou dizer se o vice deveria ou não renunciar diante da decisão do partido e falou sobre o relacionamento com o peemedebista: “Será uma relação educada, mas politicamente interditada”, afirmou Wagner.

Além das investidas em aliados, o governo aposta em atos pelo país para evitar o impeachment. Na avaliação de Wagner, hoje há a construção de uma unidade maior de segmentos em torno da “democracia”. Caso venha a assumir, Wagner acredita que uma eventual gestão de Temer não será fácil. “Se alguém que vem carregado com 54 milhões de votos já tem dificuldade, eu creio que alguém que não vem com essa mesma legitimidade terá dificuldade ainda maior”, disse. O governo ainda adotará a estratégia do discurso de que um governo do PMDB acabaria com programas sociais.

 

Frase

“Não sei qual era o objetivo. Talvez um título no Guinness Book”

Jaques Wagner, ministro-chefe do gabinete pessoal de Dilma