Correio braziliense, n. 19301, 30/03/2016. Política, p. 4

A ética peculiar do PMDB

CRISE NA REPÚBLICA » Com caciques citados na Lava-Jato, o PMDB tem, entre seus integrantes, Eduardo Cunha, que manobra para manter o mandato na Câmara
Por: JOÃO VALADARES

JOÃO VALADARES

 

O PMDB, partido que comandará o país em caso de um eventual impeachment da presidente da República, Dilma Rousseff (PT), tem vários integrantes, inclusive em sua cúpula, envolvidos na Operação Lava-Jato. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, é a personificação mais fiel de que a crise ética que assola o país é, em termos práticos, secundária quando se trata de perspectiva de poder. O ex-diretor da Petroleira Paulo Roberto Costa, em prisão domiciliar, revelou em delação premiada que, além do PT e PP, parte da propina abastecia os cofres do PMDB. Cunha, que tem às mãos as rédeas do processo de impedimento da petista, já se tornou réu no Supremo Tribunal Federal (STF) em processo referente ao esquema bilionário de corrupção na Petrobras.

O peemedebista, mesmo acusado de embolsar US$ 5 milhões e esconder em contas secretas na Suíça, segue tocando de maneira célere o rito do impeachment, inclusive com sessões às segundas e às sextas-feiras. Na outra ponta, para preservar o cargo, manobra constantemente com o objetivo de deixar em banho-maria o procedimento que responde no Conselho de Ética da Casa. Entre os citados na Lava-Jato, há governistas e integrantes que defendem a saída da presidente.

No PMDB, além de Cunha, foram envolvidos o vice-presidente da República, Michel Temer; o Presidente do SenadoRenan Calheiros; o governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão; o ex-governador Sérgio Cabral; o ex-ministro Edison Lobão; a ex-governadora Roseana Sarney; o ex-secretário do governo do Rio Regis Fichtner; e os senadores Romero Jucá, Valdir Raupp e Jader Barbalho.

Dezenas de parlamentares peemedebistas também apareceram na lista suspeita da empreiteira Odebrecht, revelada na semana passada. O STF analisa o conteúdo da planilha, encaminhada pelo juiz Sérgio Moro, para investigar se houve cometimento ou não de crime. Alguns citados alegam que as doações ali apontadas foram legais e declaradas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

 

Coalizão

Uma das vozes mais críticas em relação ao próprio partido, o deputado federal Jarbas Vasconcelos (PE) disse que chega a ser hilário que Cunha comande o processo de impeachment. Ele afirmou que o presidente da Câmara não pode participar de um eventual governo Temer. “Eu me sinto extremamente desconfortável. Fui convidado a sentar à mesa com ele. Ele não pode presidir a Casa. É um absurdo. É um desqualificado, sem ética. É um contrassenso que ele comande este processo.”

Questionado sobre Temer e outros citados, que poderiam participar de uma nova gestão, Jarbas avaliou que é necessário uma grande coalizão. “Temer não pode fazer um governo basicamente com o PMDB. É um grande erro. Ele não vai fazer isso. A travessia é longa e penosa. O país está quebrado, no fundo do poço. Por isso que uma pessoa desqualificada como o presidente da Câmara não pode ter lugar”, afirmou. O político pernambucano afirmou que um novo governo deve ser composto pelos melhores de vários partidos.

Apontado na Lava-Jato, o Presidente do SenadoRenan Calheiros, não quis comentar a decisão do PMDB de desembarcar do governo Dilma Rousseff. Ele afirmou que, um dia antes, comunicou a Michel Temer que não participaria da reunião do diretório nacional da legenda. “Eu não compareci à reunião do PMDB para não partidarizar o papel que eu exerço como Presidente do Senado Federal, da instituição. Eu acho, mais do que nunca, que a instituição deve ser preservada. É preciso encontrar isenção, independência, e esses são fundamentalmente os meus compromissos. Portanto, eu não vou comentar a decisão do PMDB, para não partidarizar o papel do Senado”, disse.

Em seguida, afirmou que espera que o processo de impeachment não chegue ao Senado. “Eu acho que, se esse processo chegar ao Senado, e espero que não chegue, nós vamos, com o Supremo Tribunal Federal, decidir o calendário. A Constituição prevê que esse julgamento aconteça em até seis meses”, ressaltou. Ele não quis dizer por que deseja que a Câmara não aprove o impedimento de Dilma Rousseff.

 

Manobra

A Mesa Diretora da Câmara dos Deputados aprovou ontem projeto de resolução que altera a formação de comissões, inclusive a do Conselho de Ética e a do impeachment, de acordo com a nova composição das legendas depois de encerrada a janela de trocas partidárias. A medida, que ainda precisa ser aprovada em plenário, atinge todos os colegiados, inclusive aqueles em que os membros são eleitos, como o Conselho de Ética, que pode decidir pela cassação do mandato de Cunha. Hoje, 11 dos 21 votos do colegiado são contrários a Cunha. Três deputados que se opõem ao peemedebista trocaram de partidos e podem ser afetados pela resolução que, se aprovada em plenário, “produzirá efeitos imediatos sobre todos os órgãos da Câmara dos Deputados”.