Correio braziliense, n. 19300, 29/03/2016. Política, p. 5

CONFUSÃO APÓS AÇÃO DA OAB

Entidade entrega novo pedido de impeachment de Dilma em meio a confronto no Salão Verde da Câmara
Por: Guilherme Waltenberg, Marcella Fernandes e Naira Trindade

Guilherme Waltenberg

Especial para o Correio

Marcella Fernandes

Naira Trindade

 

A entrega de um novo pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff, protocolado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ontem, ficou marcada por confronto entre partidários da petista e defensores do afastamento. O Salão Verde da Câmara dos Deputados, por onde a comitiva pretendia passar até o local onde seria feito o registro, virou  palco de uma troca de insultos entre os dois grupos.

O presidente da OAB, Claudio Lamachia, responsável pelo pedido, cortou caminho pelas escadas e elevadores privativos e foi pessoalmente, sob forte escolta e protestos, até o protocolo da Secretaria da Mesa. Na saída, pregou rapidez no processo de impeachment e pediu serenidade aos brasileiros, ao mesmo tempo que criticou os protestos contra a saída de Dilma.

“A sociedade quer celeridade na apuração de todos esses casos. Esperamos serenidade, que as pessoas tenham calma e que esse ódio que está instalado diminua. Não podemos colocar uma classe contra a outra”, afirmou. “Vivemos em um Estado democrático de direito e a democracia tem que ser respeitada”, prosseguiu.

Os dois lados entoaram o tempo todo cantos contra e a favor do governo. De um lado, a OAB, que pela manhã tinha dito que não faria nenhum ato na entrega do pedido, levou cerca de 100 manifestantes para o Congresso. Eles gritavam “Lula ladrão”, “Ô, o PT roubou” e “A nossa bandeira jamais será vermelha”.

Do outro lado, houve o lançamento de um movimento chamado “Comitê Pró-Democracia”, contrário ao impeachment e que conta com funcionários da Câmara, parlamentares e representantes da sociedade civil, como União Nacional dos Estudantes (UNE) e Confederação Nacional dos Bispos dos Brasil. Manifestantes e deputados do PT, PCdoB, PSol e PCO cantaram “A verdade é dura, a OAB apoiou a ditadura” e “não vai ter golpe”.

O novo pedido protocolado pela OAB é mais amplo que o atual, que considera apenas as chamadas “pedaladas fiscais” para justificar o impedimento. A peça da OAB leva também em conta a renúncia fiscal para a Fifa durante a Copa do Mundo e uma suposta tentativa de obstrução da Justiça tomando como base a delação premiada do ex-líder do governo no Senado Delcídio do Amaral (sem partido-MS) e um suposto crime de responsabilidade da presidente ao nomear o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ministro.

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), sinalizou que o novo pedido não será anexado ao em tramitação. “Não posso dar opinião de mérito, mas não tem sentido, se for o caso de acolher de ter duas comissões especiais e dois processos simultâneos”,  afirmou. Questionado sobre a possibilidade de levar a votação do afastamento de Dilma ao plenário em um domingo — 17 de abril —, desconversou. “Qualquer que seja o dia, o Brasil vai parar”, disse.

Fontes do Palácio do Planalto avaliaram que a nova peça evidencia que falta embasamento ao pedido em tramitação. Interlocutores da presidente reforçam a tese de que não há crime nas ações da presidente e entendem que foi necessário formular um novo pedido para que o processo seja, enfim, legal. O Planalto defende ainda que a nova proposta de impedimento também não traz muita fundamentação por entender que a nomeação de Lula é prerrogativa da presidente e que as informações da delação de Delcídio ainda precisam ser confirmadas.

O presidente da Câmara, figura central no processo de impeachment por ser o responsável por aprovar ou não o segmento de um eventual novo pedido, foi uma das poucas unanimidades no protesto, sendo rejeitado tanto pelos partidários do governo quanto por aqueles que defendem o impeachment.

O pedido de impeachment da OAB foi alvo de protestos no início do dia também da classe jurídica. Três ex-presidentes da Ordem enviaram carta criticando o pedido de impedimento da presidente e sugerindo que fosse feita uma nova consulta aos filiados. “Essa decisão, por sua gravidade e consequências, que lembra o erro cometido pela Ordem em 1964, jamais poderia haver sido tomada sem uma ampla consulta aos advogados brasileiros”, diz trecho da carta assinada por Marcelo Lavènere, presidente da OAB na época do impeachment do ex-presidente Fernando Collor, Dalmo Dallari e Celso Antonio Bandeira de Mello.