Correio braziliense, n. 19.283, 12/03/2016. Política, p. 2

Dilma vai ao ataque às vésperas de protesto

CRISE NA REPÚBLICA » Presidente diz não ter "cara de quem vai renunciar", dispara contra a oposição e abre as portas da Esplanada para o antecessor. Oposição aponta falta de "senso público" e afirma que possível nomeação de Lula atearia ainda mais "fogo" na economia

Por: NAIRA TRINDADE

 

A presidente Dilma Rousseff rompeu o isolamento dos últimos dias e convocou a imprensa para defender o governo e aliados, às vésperas da manifestação pelo impeachment, marcada para amanhã. A petista respondeu às insinuações de que estaria resignada com a crise e ao possível convite para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumir um cargo no Palácio do Planalto. “Vocês acham que eu tenho cara de estar resignada? Que eu tenho gênio de estar resignada?”, indagou. A oposição, por sua vez, rebateu as declarações e disse que falta “senso público” à presidente para reconhecer a situação atual do Brasil.

A fala de Dilma teve como objetivo tirar a impressão de imobilidade da presidente, frente ao agravamento das crises política e econômica. A decisão de se pronunciar veio depois de uma reunião emergencial convocada logo no início da manhã de ontem com os principais ministros da coordenação política. Segundo interlocutores do Palácio do Planalto, já havia um desejo que a presidente fizesse alguma declaração após o imbróglio criado com a nomeação do procurador de Justiça da Bahia Wellington César Lima e Silva para o Ministério da Justiça.

“É impossível, quem me conhece, achar que, pela minha trajetória pessoal, pela minha honradez e pelo respeito que eu tenho pelo povo brasileiro, eu me renuncie… eu me resigno diante de absoluto desrespeito a lei e à Constituição”, criticou. “Fui presa, torturada pelas minhas convicções. E devo ao povo brasileiro o respeito pelos votos que me deram. Não estou resignada diante de nada”, afirmou.

Dilma negou qualquer possibilidade de renúncia. “Nenhum líder da oposição, ninguém tem o direito de pedir a renúncia de um presidente legitimamente eleito pelo povo sem dar elementos comprobatórios de que eu tenha de alguma forma ferido qualquer inciso da Constituição. (...) A renúncia é um ato voluntário. Aqueles que querem a renúncia estão, ao propô-la, reconhecendo que não há uma base real para pedir a minha saída desse cargo”, rebateu a presidente.

Reunidos no Alvorada, os ministros da Secretaria de Governo, Ricardo Berzoini; da Casa Civil, Jaques Wagner; da Advocacia Geral da União, José Eduardo Cardozo; e o assessor especial da presidente, Giles Azevedo, conversaram por mais de uma hora com a presidente analisando as possibilidades de entregar um ministério a Lula. Em relação ao foro privilegiado, uma parte entendeu que ele ajudaria Lula, por retirar o processo das mãos do juiz Sérgio Moro. Há no entanto, quem acredita que convencer os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), depois da manobra, seria ainda mais complicado do que o magistrado paranaense.

Mesmo sob investigação, Dilma afirmou receber com “orgulho” o antecessor. “Eu teria o maior orgulho de ter o presidente Lula no meu governo, porque é uma pessoa com experiência, com grande capacidade de formulação de políticas, e aí eu estou dizendo da capacidade gerencial dele.” A presidente ofereceu ao antecessor a Casa Civil ou a Secretaria de Governo. Informações de bastidores, porém, são de que Lula teria rejeitado o cargo de Wagner devido à agenda pesada da pasta. Já o de Berzoini não estaria adequado ao peso político do petista.

A presidente criticou o pedido de prisão do antecessor. “Passou de todos os limites. Não existe, e acho que isso é quase consenso entre os juristas, não existe base nenhuma para esse pedido. É um ato que ultrapassa ao bom senso, é um ato de injustiça e é um absurdo que um país como o nosso assista calmamente um ato desses contra uma liderança política responsável por grandes transformações no País, respeitado internacionalmente”, afirmou.

 

Reação forte

A oposição reagiu com intensidade aos ataques da presidente Dilma. O deputado federal Nelso Machezan (PSDB-RS), disse que a fala mostra “falta de senso público” por parte da petista. “A renúncia seria uma alternativa. Se a presidente Dilma tivesse um pouquinho mais de senso público, provavelmente já teria entendido que o Brasil inteiro está exigindo que o país mude de rumo e que mude de dono. Hoje, o Brasil é uma propriedade privada de algumas pessoas que integram alguns partidos. Nós queremos devolvê-lo aos brasileiros”, avaliou o parlamentar gaúcho.

O ex-governador de São Paulo José Serra, por sua vez, pediu que a votação do impeachment seja decidida com rapidez, para que o Brasil possa virar o capítulo da crise. “Tem que se encontrar um caminho comum de entendimento, que envolva, inclusive, como tem de ser um novo governo.  (...) O que não dá é para ficar prolongando no tempo, porque as coisas vão piorando e a única ação do governo passa a ser lutar contra o impeachment”. O senador ainda apontou que a nomeação de Lula seria o mesmo que delegar ao ex-presidente a condução do governo. “Não vai dar certo porque não se delega governo. Isso seria explosivo, do ponto de vista político, o Lula no ministério, e do ponto de vista da economia seria pegar as reservas do Banco Central e gastar para financiar gastos governamentais, rombo. Botaria fogo na economia.”

 

Termômetro preocupante

O monitoramento das redes sociais a respeito dos protestos marcados para amanhã acendeu o sinal de alerta no Palácio do Planalto. O governo avalia que a mobilização está grande e que pode ser catalisadora do processo de impeachment. Os últimos levantamentos mostram que a presença nas ruas, no domingo, terá público expressivo, semelhante ao de março do ano passado. Desde a segunda-feira, a presidente Dilma tem comandando reuniões e, também no início da semana, apelou para que o PT cancele os eventos marcados para o próximo domingo, com o intuito de evitar confrontos.

 

PGR pede novo inquérito contra Renan

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) a abertura de mais um inquérito contra o Presidente do SenadoRenan Calheiros (PMDB-AL), no âmbito da Operação Lava-Jato. Essa é a sétima ação que tramita na Corte para investigar o envolvimento do peemedebista com o esquema de corrupção da Petrobras. Segundo a PGR, o pedido teve origem com base na delação premiada de Carlos Alexandre de Souza Rocha, o Ceará. O lobista afirmou que Alberto Youssef teria mencionado pagamentos a Renan. Em uma das transações, o doleiro teria dito que repassaria R$ 2 milhões ao peemedebista para evitar a instalação de uma CPI da Petrobras. O entregador de dinheiro de Youssef também mencionou uma operação com entrega de R$ 1 milhão ao senador em Maceió.

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PMDB deve protelar decisão

Por: MARCELLA FERNANDES

 

Às vésperas da convenção nacional, o PMDB ainda não chegou a um consenso sobre as possibilidades de afastamento do governo da presidente Dilma Rousseff. A proposta mais radical é que o rompimento seja votado amanhã com desembarque dos cargos. No outro extremo, ministros defenderam a manutenção dos postos com a liberação para votos tanto no processo de impeachment quanto nas outras matérias em tramitação no Congresso. Segundo o vice-presidente da legenda, senador Valdir Raupp (RO), a tendência é de que hoje se discuta o tema, mas que a votação aconteça daqui a 30 dias, em uma reunião do diretório.

Durante os últimos dias, peemedebistas fizeram uma série de reuniões a fim de chegar em uma proposta comum, o que não aconteceu. A ala oposicionista afirmou que apresentará uma moção pelo rompimento. Nesse caso, a Executiva começaria a cobrar em 30 dias a saída dos ministros — hoje seis — que teriam o limite de outros 30 dias para o afastamento definitivo. Os que resistirem estariam sujeitos a punições pela Comissão de Ética da legenda. “Até os governistas estão sentido esse quadro de um governo se decompondo. Está em cima de um sentimento da população. Vai ser só esse o assunto. Vai ser a convenção mais antipetista da história do PMDB”, afirmou o deputado Darcísio Perondi (RS).

 

Porta da saída

De acordo com os oposicionistas, ainda que o assunto não conste na programação oficial da convenção, o estatuto da legenda prevê a possibilidade de apresentação de moção. Segundo o artigo 4º, as reuniões são espaço para o “livre debate das questões, das ideias e decisões tomadas pela maioria em processo democrático”. Já o artigo 64º afirma que a convenção é espaço para fixar as diretrizes para a atuação partidária e “decidir soberanamente sobre os assuntos políticos”. A ala governista diz não ser possível votar o assunto hoje.

De acordo com Raupp, a moção precisa ser aceita pela Mesa,  composta pelos nove integrantes da Executiva Nacional e pelos sete vogais. “Em princípio, estão tentando receber propostas e deixar para votar em 30 dias para discussão com mais calma, só o diretório”, afirmou. Segundo o senador, o presidente do PMDB e vice-presidente da República, Michel Temer, tentou uma unificação nas últimas conversas, mas não houve consenso. Raupp deve deixar o cargo e assumir um cargo na tesouraria. Em seu lugar, fica o senador Romero Jucá (RR), atual terceiro vice-presidente. Em entrevista no início da tarde, a presidente Dilma Rousseff não quis comentar a possibilidade de afastamento. “Vamos esperar a convenção em vez de a gente ficar aqui fazendo um exercício de futurologia”, disse.

 

“Até os governistas estão sentido esse quadro de um governo se decompondo. (…) Vai ser a convenção mais antipetista da história do PMDB”

Darcísio Perondi (RS), deputado federal

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