Ministro manda acolher processo contra Temer

06/04/2016

O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal ( STF), determinou ontem que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), abra um processo de impeachment contra o vice- presidente, Michel Temer e, em seguida, envie o caso a uma comissão especial semelhante à aberta para o processo contra a presidente Dilma Rousseff. A decisão foi tomada em caráter liminar e ainda pode ser modificada pelo plenário do STF.

O ministro ponderou que caberia apenas à comissão especial, e não a Cunha, identificar ou não elementos mínimos para dar continuidade ao caso.

O ministro ressaltou que não analisou qualquer suposta prova contra Temer para tomar a decisão. Segundo Marco Aurélio, houve apenas falha formal na condução do processo na Câmara. “Não se está a emitir qualquer compreensão quanto à conduta do vicepresidente da República, revelada na edição dos decretos mencionados na petição inicial e no acervo probatório que a acompanha”, esclareceu.

CUNHA: “DECISÃO ABSURDA”

Irritado com a decisão, Cunha anunciou que vai recorrer ao pleno do STF, mas enquanto os ministros não se pronunciam pedirá aos líderes partidários que indiquem os nomes para a comissão do impeachment. No entanto, vários líderes já anunciaram que não farão a indicação e, só com elas, a comissão pode ser instalada. Ou seja, a decisão será tecnicamente cumprida, mas não será imediatamente efetivada.

— Nós achamos a decisão absurda, teratológica, vamos recorrer. Nós entendemos que a decisão afronta a própria decisão do plenário do Supremo, na própria ADPF ( ação sobre o impeachment de Dilma) que foi julgada, ele contraria o voto dele mesmo — disse Cunha, acrescentando:

— Nós entendemos que, com essa decisão, ele invade a competência da Câmara. Fazer valer a decisão dele significaria que os 39 pedidos de impeachment da presidente da República que foram rejeitados teriam de ter comissão especial e ser instalados. Que os oito pendentes teriam que ser instalados também. Ou seja, a Câmara dos Deputados vai passar a fazer apenas votação do impeachment toda semana.

Na semana passada, o advogado Mariel Márley Marra propôs à Câmara processo de impeachment contra Temer, mas Cunha arquivou o caso alegando que não há indício de que o vice cometeu crime de responsabilidade. Marra recorreu ao STF. Para fundamentar sua decisão, Marco Aurélio mencionou a Lei do Impeachment, de 1950, segundo a qual o presidente da Câmara precisa analisar apenas formalmente o requerimento — ou seja, se há fato determinado e o nome do denunciado. “A ele não incumbe, substituindo- se ao colegiado, o exame de fundo. Entender- se em sentido contrário implica validar nefasta concentração de poder, em prejuízo do papel do colegiado, formado por agremiações políticas diversas”, anotou Marco Aurélio.

À noite, o ministro advertiu que, se houver descumprimento da liminar, Cunha poderá ser enquadrado em crime de responsabilidade.

— É impensável que não se observe uma decisão do Supremo. A decisão não é do cidadão Marco Aurélio, é do Supremo e deve ser observada.

O ministro se recusou a responder as críticas de Cunha à liminar por reconhecer “o direito de espernear”. Ele deve levar o caso ao plenário do tribunal na próxima semana.

A decisão foi discutida por Cunha com líderes partidários em reunião tensa de quase duas horas. A oposição pressionou Cunha a ignorar a decisão de Marco Aurélio, mas líderes governistas e também de partidos como PSOL e Rede defenderam que decisão judicial tem que ser cumprida. Os líderes do PMDB, Leonardo Picciani ( RJ) e do DEM, Pauderney Avelino ( AM), avisaram que não indicarão os nomes para a comissão.

Cunha disse que pedirá aos partidos para fazer as indicações, mas adiantou:

— Parece- me que não é a vontade deles. Certamente não tem condição nenhuma de ser instalada a comissão, na medida que não vai haver número de membros suficientes.

“ARMA POLÍTICA”, DIZ ALIADO DE TEMER

O ministro da Advocacia- Geral da União, José Eduardo Cardozo, afirmou que a situação do processo contra Temer é “muito semelhante” ao de Dilma.

— A situação é muito semelhante. Nós fizemos a defesa no caso da presidente da República. No caso do vicepresidente da República, vamos aguardar. Eu não sei se seremos ou não chamados a atuar nesse processo, mas por força disso não me cabe nesse momento tecer consideração — afirmou.

A possibilidade de abertura de um processo de impeachment foi vista por pessoas do entorno de Temer como uma “arma política”.

— Estão usando todas as armas para criar instabilidade, gerar dúvidas sobre como será a sucessão no caso de impeachment — disse um auxiliar de Temer.

 

O globo, n. 30193, 06/04/2016. País, p. 5