Valor econômico, v. 3956, n. 16, 04/03/2016. Política, p. A10

Vazamentos são 'abuso' e 'arma política', reage Dilma

Por: Andrea Jubé / Lucas Marchesini / Bruno Peres / Murillo Camarotto

Por Andrea Jubé, Lucas Marchesini, Bruno Peres e Murillo Camarotto | De Brasília

 

A presidente Dilma Rousseff reagiu com indignação à revelação de trechos da delação premiada do senador Delcídio do Amaral (PT-MS) à força-tarefa da Lava-Jato. É o primeiro delator que implica diretamente a presidente no esquema de corrupção da Petrobras e a acusa de tentar interferir nos rumos da investigação. Delcídio também teria envolvido o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Dilma ficou especialmente indignada com a parte em que o ex-líder do governo a responsabiliza pela compra da refinaria de Pasadena. O temor no Palácio do Planalto é com o impacto político da delação, que deve engrossaros protestos de 13 de março.

A delação foi revelada ontem pela revista " IstoÉ". Em nota oficial, na qual não cita o nome de Delcídio, Dilma repudiou o uso de vazamentos como "arma política" e cobrou a sua investigação.

"Repudiamos, em nome do Estado Democrático de Direito, o uso abusivo de vazamentos como arma política", criticou a presidente.

No comunicado, Dilma acrescenta que "os vazamentos apócrifos, seletivos e ilegais devem ser repudiados e ter sua origem rigorosamente apurada, já que ferem a lei, a justiça e a verdade". Ela conclui afirmando que se existe "delação premiada homologada e devidamente autorizada, é justo e legítimo que seu teor seja do conhecimento da sociedade". Mas ressalva que é "necessária a autorização do Poder Judiciário".

O Planalto receia que a delação embase um novo pedido de impeachment, além de servir de munição para atrair manifestantes aos protestos contra o governo convocados nas redes sociais. Escalado por Dilma para contestar a delação, o novo ministro da Advocacia-Geral da União, José Eduardo Cardozo, ironizou essa possibilidade. Ele comparou os oposicionistas com o "Ideafix", personagem da série francesa de quadrinhos Asterix, e disse que virou obsessão afastar Dilma do cargo. "Tudo o que acontece é motivo para impeachment", ironizou.

Dilma tomou conhecimento do vazamento da delação logo pela manhã, por meio de seus assessores. Após a solenidade em que empossou três novos ministros, Dilma convocou os ministros Jaques Wagner (Casa Civil), José Eduardo Cardozo (novo advogado-geral da União, ex-Justiça) e o assessor Giles Azevedo para uma reunião em seu gabinete, a fim de discutir a reação à matéria.

O impasse no governo era desmentir uma reportagem que, na avaliação de Dilma e seus assessores, deveria ser rechaçada pelo delator, Delcídio do Amaral. Desde o final da manhã, o Planalto aguardava uma nota oficial de Delcídio nesse sentido. Assim que o comunicado do senador saiu no meio da tarde, não confirmando os termos da reportagem, Dilma foi avisada.

O que mais indignou a presidente, segundo auxiliares presidenciais, foi o trecho em que Delcídio a responsabiliza pela compra da refinaria de Pasadena, no Texas, considerada um dos negócios mais desastrosos da Petrobras. Foi realizado em 2006, com um suposto superfaturamento de US$ 792 milhões, quando Dilma era presidente do Conselho de Administração da estatal.

"A alegação de Dilma de que ignorava o expediente habitualmente utilizado em contratos desse tipo, é, no mínimo, questionável", diz Delcídio na delação, segundo a reportagem da IstoÉ. Dilma ficou tão contrariada comesse trecho da delação, que divulgou uma nota de nove páginas, reforçando esclarecimentos que havia prestado em 2014 sobre a compra da refinaria à Procuradoria-Geral da República. A PGR avalizou, na época, alegações de Dilma.

Durante a tarde, os ministros que se reuniram com ela durante o almoço foram a público desqualificar a delação. "Tem muita poeira e pouca materialidade", disse o ministro Jaques Wagner. Cardozo disse que é "retaliação" de Delcídio, que passou 87 dias preso, acusado de tentar atrapalhar investigações da Lava-Jato.

Wagner cobrou o vazamento da delação do Ministério Público Federal e alertou que o ambiente político está em clima de "vale tudo". "Estamos indo para o tudo ou nada, qualquer um faz o que quer para atingir o seu objetivo", criticou.

Wagner disse que Dilma recebeu a notícia "com indignação, porque envolve o nome dela". Ele ressaltou que o vazamento é mais grave ainda porque envolve a Presidência da República. "Quem fez o vazamento, é um crimegravíssimo, porque está sob sigilo de justiça". Ele cobrou o Ministério Público Federal pelo vazamento da delação. "

Da delação não participou nenhum órgão do governo federal. Se cabe a alguém, é à própria PGR [Procuradoria-Geral da República], o MP tem que dar essa resposta, porque isso foi feito entre o delator e procuradores, ou o STF, que preside o feito".

Após a posse na Advocacia-Geral da União, Cardozo concedeu uma entrevista que se estendeu por quase uma hora para contestar os termos da delação. "Não para em pé", disse, sobre as denúncias.

Sobre a acusação de que Dilma indicou o ministro Marcelo Navarro para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) para que ele ajudasse a conceder habeas corpus para os executivos Marcelo Odebrecht e Otávio Marques de Azevedo. Cardozo afirmou que a indicação de Navarro foi motivada pelo "currículo magnífico" do desembargador, que teria sido escolhido para o cargo, apesar de ter ficado em segundo lugar na lista tríplice apresentada para o posto.

Cardozo afirmou que a escolha resultou de "uma avaliação cuidadosa", na qual pesaram, além do currículo, as referências de magistrados e os apoios políticos ao nome de Navarro.

Cardozo ainda acusou Delcídio de mentir aos demais senadores, porque afirmara que não faria delação premiada, classificando-a como "conjunto de mentiras" que, diante de fatos vistos com isenção, não se sustentam.

"Se Delcídio fez delação foi para deixar prisão e atingir pessoas", afirmou. Ainda em sua avaliação, Delcídio, que frequentava com assiduidade o Ministério da Justiça para tratar de temas diversos, buscava garantir a própria sobrevivência ao questioná-lo sobre pressões sobre réus da Lava-Jato. O senador, afirmou Cardozo, queria evitar delações que pudessem prejudicá-lo.