O Estado de São Paulo, n. 44755, 30/04/2016. Política, p. A13

Janot diz que só MP pode propor delação

Procurador-geral da República pede ao Supremo que proíba a Polícia Federal de fechar acordos de colaboração; entidade de delegados reage
Por: Isadora Peron

 

Isadora Peron / BRASÍLIA

 

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu que o Supremo Tribunal Federal proíba a Polícia Federal de fechar acordos de delação premiada sem a participação do Ministério Público. Na ação, protocolada ontem, Janot solicita que sejam considerados inconstitucionais trechos da lei que combate organizações criminosas e permite que a PF também feche esse tipo de acordo de colaboração com investigados.

O argumento principal da peça apresentada pela Procuradoria-Geral da República é que a legitimidade para propor e negociar delações premiadas é “privativa” do órgão. “Compete ao Ministério Público dirigir a investigação criminal, no sentido de definir quais provas considera relevantes para promover a ação penal, com oferecimento de denúncia, ou arquivamento. Isso não exclui nem diminui o importante trabalho da polícia criminal, nem implica atribuir ao Ministério Público a ‘presidência’ de inquérito policial”, afirma a ação direta de inconstitucionalidade (ADI) apresentada por Janot à Corte.

Apesar disso, Janot pede que, se ação for aceita pelo Supremo, a validade dos acordos já firmados pela Polícia Federal seja mantida para evitar prejuízos às investigações em curso. A ação apresentada pelo procurador-geral da República ficará soba relatoria do ministro Marco Aurélio Mello.

Os acordos de delação premiada ganharam evidência com a Operação Lava Jato, que apura esquema de corrupção e desvios na Petrobrás. Por meio desses instrumento jurídico, uma pessoa que cometeu um crime se compromete a colaborar com as investigações e denunciar outros envolvidos em malfeitos em troca de eventuais benefícios, como a redução da pena, por exemplo. Na semana passada, Janot afirmou que a Operação Lava Jato firmou, até agora, 65 acordos de delação premiada. A colaboração de investigados, no entanto, causa polêmica no meio jurídico.

Em janeiro, alguns dos mais renomados advogados do País divulgaram manifesto em que acusam a força-tarefa da Lava Jato de violar garantias fundamentais dos suspeitos de participação no esquema de corrupção na Petrobrás. No documento, advogados classificam a operação como “uma espécie de inquisição (neoinquisição)”. O manifesto afirma ainda que as prisões decretadas no âmbito da operação têm sido usadas para forçar acordos de delação premiada.

 

‘Retrocesso’. Em nota, a Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) reagiu à peça da Procuradoria-Geral da República e pediu que o Supremo não aprove a ação apresentada por Janot.

Os delegados classificaram a iniciativa como “lamentável” e como um “extremo retrocesso” e disseram que ela poderia levar à anulação de investigações importantes em andamento, como as operações Lava Jato e Acrônimo. “As organizações criminosas que afrontam a nação brasileira comemoram a ação proposta por Rodrigo Janot”, diz o texto. A entidade afirma que “soa muito estranho que, no exato momento que a Polícia Federal realiza as maiores investigações de combate à corrupção, seja proposta uma ação para dificultar a atuação” da PF. “Os delegados de Polícia Federal têm a certeza e a confiança de que o Supremo Tribunal Federal não atenderá a um pedido que afronta a lei, fere a Constituição e fomenta o crime organizado no nosso país.”

 

Atribuição

“Compete ao Ministério Público dirigir a investigação criminal, no sentido de definir quais provas considera relevantes para promover a ação penal”

Rodrigo Janot

PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA