Título: Nova lei reduz adoções no DF
Autor: Labossiêre, Mariana
Fonte: Correio Braziliense, 05/10/2011, Cidades, p. 28/29

Até agosto deste ano, a Vara da Infância e da Juventude registrou redução de 86% no número de acolhimentos de crianças e adolescentes. Perfil desejado pelos candidatos habilitados é o principal entrave aos processos

O caminho para a adoção se mostra cada vez mais penoso no Distrito Federal. Apesar de 400 pessoas estarem habilitadas e de 167 crianças e adolescentes disponíveis, o número de acolhimentos vêm caindo. Em 2010, segundo dados da Vara da Infância e da Juventude do DF, foram autorizados 253 processos contra apenas 26 neste ano. A média mensal passou de 21 casos para três em 2011, o que resultou em uma redução de 86%.

"Temos outras diferentes dessas, que são idealizadas. Das 167 disponíveis no nosso banco, 100 são adolescentes. Mas de todas as famílias habilitadas, nenhuma manifestou interesse em acolher esses jovens" Walter Gomes, supervisor da Seção de Colocação em Famílias Substitutivas da Vara da Infância e da Juventude do DF

Especialistas acreditam que a queda tem relação direta com a Lei Nacional de Adoção, que entrou em vigor em novembro de 2009 e trouxe normas mais rígidas para garantir a segurança do trâmite legal. Um dos dispositivos abolidos pela nova legislação foi o da adoção direta ou à brasileira, prática em que a mãe entrega o bebê a uma pessoa ou família previamente escolhida, sem a intermediação da Justiça. Os tribunais só entravam no caso para homologar uma situação já consolidada.

A promotora de Defesa da Criança e da Juventude do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), Luísa Marillac, afirma que a mudança fez muitas pessoas deixarem de registrar pedidos de acolhimento. "A intenção da lei é excelente no sentido de que não haja a comercialização de bebês. No entanto, esses números revelam que, infelizmente, a nossa sociedade tem como cultura a entrega direta a pessoas que querem adotar", pontua. "Nesse sentido, imaginamos que, agora, as crianças estão entrando em famílias sem a devida regularização", acrescenta.

Ainda segundo Luísa, o Ministério Público está atento à questão e tem tentado alertar a sociedade para a necessidade de mudar essa cultura, uma vez que a lei sofreu alterações "O caminho para a solução desses problemas é iniciar um trabalho com os hospitais, famílias que querem entregar os bebês para adoção e com as próprias gestantes. A ideia é orientá-las para que o processo seja feito pela Justiça. Mas é necessário também incrementar esse sistema com equipes técnicas especializadas para que possamos ter um cadastro de adoção dinâmico", justifica a promotora.

Do total de pessoas habilitadas para adotar uma criança no DF, 98% buscam menores de 2 anos. O supervisor da Seção de Colocação em Famílias Substitutivas da Vara da Infância e da Juventude do DF, Walter Gomes, revela, entretanto, que não há crianças cadastradas com esse perfil. "Temos outras diferentes dessas, que são idealizadas. Das 167 disponíveis no nosso banco, 100 são adolescentes. Mas de todas as famílias habilitadas, nenhuma manifestou interesse em acolher esses jovens", reforça.

A servidora pública Flávia Maria Ribeiro Cantal, 43 anos, desistiu da adoção tardia. Ela conseguiu a guarda de um meninos de 10 anos, mas teve dificuldades em estabelecer um vínculo afetivo. "É muito complicado criar uma criança mais velha. Elas não conseguem se ver como parte daquela família. Conheço outras pessoas que adotaram adolescentes e não tiveram experiências boas. Muitos só recorriam aos familiares adotivos para pedir dinheiro", comenta. "Ainda estou na fila. Aliás, há dois anos. Busco um bebê de até um ano e meio, preferencialmente menina. Eu sei que vai demorar porque esse perfil é o que a maioria deseja", acrescenta.

Mentalidade Walter Gomes avalia que a mentalidade dos casais precisa mudar. Para ele, somente assim será possível aumentar o número de adoções e agilizar o andamento dos processos. "Embora as pessoas falem que há devolução de crianças, temos um histórico de apenas uma desistência no período de quatro anos. Num universo de mais de 600 adoções, é uma incidência não significativa", conta. "Sendo assim, nós, no DF, temos procurado qualificar os cursos de preparação para adoção, que se tornaram obrigatórios com a nova lei", completa.

Com as alterações, apenas a Vara da Infância e da Juventude pode indicar para quem esses meninos e meninas serão entregues. Os candidatos devem estar na fila e ter passado por um curso de capacitação. Há apenas três exceções em que o processo pode ser feito diretamente: quando o interessado for madrasta ou padrasto da criança; parente direto com o qual haja vínculos de afinidade ou nos casos em que o casal tem a guarda legal da criança há mais de três anos.

A prática de pedir uma autorização provisória em vez de abrir o processo de acolhimento normal é uma das maneiras encontradas por muitas pessoas para driblar a legislação. Além disso, alguns se arriscam a registrar bebês de outras pessoas como seus. Pessoas flagradas nessa situação podem responder pelo crime de falsidade ideológica.

Meta Incentivar a adoção tardia, interracial e o acolhimento de grupo de irmãos. Esses são alguns objetivos dos cursos preparatórios. As aulas visam orientar as famílias candidatas a lidar com as dificuldades e superá-las para garantir o sucesso da adoção. No DF, há 21 estágios de convivência em andamento. Servidores do TJ promovem a aproximação de família habilitadas com crianças de faixa etária mais avançada.

Dados reveladores

Crianças adotas no Distrito Federal Ano - Número 2008 - 213 2009 - 171 2010 - 153 2011 - (até agosto) 26 Fonte: Vara da Infância e da Juventude do DF

Para saber mais Cartilha destaca regras

A Associação dos Magistrados Brasileiros confeccionou uma cartilha com o passo a passo do processo de adoção. O material encontra-se disponível na página oficial da entidade: www.amb.com.br. Dúvidas como quem pode ser adotado, o ambiente adequado para criação do filho adotivo e a função do estágio de convivência são respondidas ao longo da cartilha, publicada em 2008. Um dos trechos do material elucida a seguinte questão: a família biológica pode conseguir o filho de volta depois da adoção? O texto esclarece: "Não, depois de lavrada a sentença de adoção pelo juiz, ela é irreversível, e a família biológica perde todo e qualquer direito sobre a criança/adolescente. Mas, se a sentença não tiver sido lavrada, a família biológica poderá ter a criança de volta, caso, mediante prova e por ato judicial, comprove que tem condições de cuidar do filho. Vale a pena lembrar que, durante o processo de destituição, a família biológica tem amplo direito de defesa".

Trabalho com gestantes Em 15 de setembro, uma recém-nascida, com menos de um quilo, foi entregue por uma jovem na portaria do Hospital Regional de Santa Maria. Cinco dias depois, a mesma mulher se apresentou à 27ª Delegacia de Polícia, que apura o caso, dizendo ser a mãe da criança. Ela contou ter sido estuprada em abril, quando voltava da escola. A jovem disse não ter registrado ocorrência por medo. A bebê segue internada na UTI da unidade e a polícia ainda investiga a ocorrência. Visando evitar situações como essa, a Vara da Infância e da Juventude do DF desenvolve trabalho com gestantes que desejam entregar os filhos para adoção. Antes do nascimento da criança, a grávida recebe acompanhamento psicológico e orientação de uma equipe interdisciplinar. Mais informações pelo telefone 3103-3200.