Título: Machismo e omissão do Estado
Autor: Bernardes, Adriana, Campos, Ana Maria
Fonte: Correio Braziliense, 09/10/2011, Cidades, p. 28
Os julgamentos dos crimes contra a vida não são feitos pelo juiz, mas pelos jurados, que representam a sociedade. Essa sociedade está forjada por um ordenamento jurídico que construiu, ao longo dos séculos, a desigualdade de gênero. A mulher não podia trabalhar sem autorização do marido, não podia votar, não podia se divorciar de um marido agressor. Portanto, não vivemos em uma cultura ¿ pensando-se cultura como a bagagem de símbolos e significados que recebemos de nosso pais, avós e bisavós ¿ que dispensa igual tratamento a homens e mulheres.
Nesse contexto, é compreensível que, nos julgamentos, ainda seja questionada a moral sexual das vítimas, como se elas carregassem alguma culpa por terem sido mortas. Essa distorção fica bastante evidente quando, diante de um relacionamento permeado pela violência doméstica, questiona-se o que há de errado com essa mulher, deixando-se de questionar o que há de errado com esse homem agressor.
A Lei Maria da Penha, em alguma medida, propõe essa transformação cultural, ao estabelecer a inclusão do conteúdo "violência contra a mulher" em todos os níveis de ensino. É preciso, contudo, que os governos adotem essa medida. Atualmente, salvo exceções, nem sequer nas faculdades de direito se estuda a violência de gênero. Enquanto isso, no Brasil do século 21, de cada 10 mulheres assassinadas, sete são mortas pelo companheiro.
Roberto Arriada Lorea, juiz titular do Juizado da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, em Porto Alegre (RS)