O Estado de São Paulo, n. 44741, 16/04/2016. Política, p. A5

PRESIDENTE GRAVA VÍDEO, MAS CANCELA TRANSMISSÃO

Dilma acolhe recomendação do advogado-geral da União e desiste de cadeia de rádio e TV pouco antes de liminar barrar convocação
Por: Tânia Monteiro / Gustavo Porto / Isadora Peron

 

Tânia Monteiro

Gustavo Porto

Isadora Peron / BRASÍLIA

 

Temendo abrir uma nova polêmica jurídica que poderia atrapalhar a votação do processo de impeachment na Câmara, a presidente Dilma Rousseff decidiu seguir a orientação do advogado geral da União, José Eduardo Cardozo, e cancelou o pronunciamento de 8 minutos e 30 segundos que faria ontem em rede nacional de rádio e TV, conforme anunciado pelo próprio governo horas antes.

À noite, a Secretaria de Comunicação Social (Secom) assumiu a responsabilidade pela decisão – classificada como “completamente equivocada” por ministros ouvidos pelo Estado e juristas – de fazer a presidente gravar o pronunciamento no qual diz que “a palavra golpe estará para sempre gravada na testa dos traidores da democracia”.

Alguns integrantes do governo também estavam preocupados de que a aparição de Dilma na TV e no rádio pudesse ser alvo de panelaços e buzinaços nas capitais, criando um clima de manifestação contra o governo.

Segundo a Secom, “após avaliação sobre a estratégia mais adequada para o momento” decidiu “que o vídeo da presidenta Dilma alcançaria seus objetivos se amplamente veiculado pela internet”. A gravação, no entanto, não foi divulgada até esta edição ser concluída.

A necessidade de realização do pronunciamento foi articulado pelo Planalto com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com o objetivo de que Dilma falasse diretamente à população, sem edições, para defender seu mandato e a democracia. O texto previa denunciar o processo que está em curso como um “golpe que consiste o impeachment sem crime de responsabilidade”.

 

“Conspiradores”. A exemplo do que tem feito nos últimos dias em seus discursos no Planalto, na gravação Dilma não citava diretamente os nomes do vice-presidente Michel Temer e do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, mas atacaria fortemente a dupla de peemedebistas, chamando-os novamente de “conspiradores”. Para a presidente, ambos atuam em parceria para promover o “golpe”.

No vídeo, Dilma apela aos espectadores para que conversassem com os parlamentares nas suas cidades e pedissem aos deputados que não deixassem de “respeitar a democracia” e a “Constituição” e que, para isso, seria preciso votar contra o seu afastamento. Em sua defesa, a presidente lembra também que não há nenhuma acusação de corrupção contra ela, “que não cometeu crime algum”.

Na avaliação da Advocacia-Geral da União, o conteúdo da gravação, eminentemente político, poderia ser contestado judicialmente - o que de fato ocorreu. A oposição entrou com duas ações na Justiça Federal, e obteve liminar em uma delas, assinada pelo líder do PSDB na Câmara, deputado Antonio Imbassahy (BA). O tucano alegava desvio de finalidade diante da acusação de Dilma de que haveria um “golpe” em curso no País, argumento que foi atendido pela juíza federal Solange Salgado, da 1.ª Vara do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região.