O Estado de São Paulo, n. 44744, 19/04/2016. Política, p. A7

DILMA VÊ ‘INÍCIO DE LUTA LONGA E DEMORADA’

Em 1º discurso após votação, presidente volta a chamar vice de ‘traidor’ e ataca Cunha; ‘Estou tendo meus sonhos torturados’, afirma
Por: Tânia Monteiro / Gustavo Porto / Bernardo Caram

 

Tânia Monteiro

Gustavo Porto

Bernardo Caram / BRASÍLIA

 

No dia seguinte à aprovação da abertura de seu processo de impeachment, a presidente Dilma Rousseff afirmou ontem que, “ao contrário do que muitos anunciaram, não começou o fim”, mas o “início da luta que será longa e demorada”. Com voz pausada e demonstrando cansaço, ela disse que se sente “triste” e “injustiçada” - palavra que repetiu pelo menos seis vezes. Dilma voltou a fazer ataques ao presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, e ao vice-presidente Michel Temes, a quem chamou de “traidor” e “conspirador”.

Dilma não descartou que esteja discutindo a possibilidade de encampar a tese que está sendo defendida pelo PT e por ministros petistas de apresentar projeto no Congresso de antecipação para este ano das eleições presidenciais. “Eu não estou avaliando isso agora”, disse a presidente, após afirmar que “todas as outras alternativas” podem ser tratadas, dentro “do cumprimento da legalidade”, no processo democrático.

A presidente disse que “vai continuar lutando, como sempre fez” para barrar o processo de impeachment no Senado Federal. Após ironizar os discursos dos deputados durante a sessão de anteontem, afirmou que terá “com senadores relação diferente da Câmara”, com uma “interlocução muito qualificada”, sem dizer, no entanto, como será esta relação para assegurar apoios. “Vou enfrentar todo o processo e vou participar e me defender juntos aos senadores”, afirmou.

Dilma acusou Temer sem citar seu nome e classificou como um fato “estarrecedor” um vice-presidente conspirar “abertamente” contra sua companheira de chapa. “Em nenhuma democracia do mundo, uma pessoa que fizesse isso seria respeitada. A sociedade humana não gosta de traidor”, disse.

A presidente afirmou que vai continuar lutando pela democracia. “Na minha juventude, enfrentei a ditadura por convicção e agora eu também enfrento com convicção um golpe de Estado”, disse. Ela ressaltou que agora, na maturidade, enfrenta outro golpe. “De certa forma, estou tendo meus sonhos torturados. Agora, não vão matar a minha esperança.”

 

 

Ressentimento . Questionada se achava que errou no trato com os deputados, a presidente disse que não viu ressentimento de deputados retratado na votação de ontem. “Qualquer governo pode cometer erro, mas ressentimento também não é justificativa para nenhum processo de impeachment. Temos de procurar padrão de seriedade maior”, disse Dilma.

Depois de reiterar que uma presidente não pode ser condenada “sem culpabilidade” porque não cometeu qualquer crime, a presidente passou a criticar Cunha, citando que ele conduziu o processo do seu afastamento na Câmara “como quis”. “Não há contra mim acusação de desvio, de enriquecimento ilícito, não tenho conta no exterior. Os que praticaram atos ilícitos e têm conta no exterior presidem a sessão e tratam de uma questão tão grande como o afastamento da presidente”, afirmou.

A presidente acrescentou que Cunha “não tinha legitimidade” para coordenar o processo de votação. “A abertura do processo é uma espécie de vingança por não termos aceitado negociar os votos dentro da Comissão de Ética.” E emendou: “não apresentaram nada além das notícias de jornal”.

 

Lula. Em seu pronunciamento, a presidente afirmou estar “esperançosa” de que o Supremo Tribunal Federal (STF) autorize a ida do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a Casa Civil, “ainda nesta semana”, no julgamento previsto para amanhã.

“Lula de fato tem nos ajudado muito e esperamos a autorização para ele vir para a chefia da Casa Civil e certamente ele virá. Minha relação com Lula é a mesma de sempre, somos companheiros especiais e trabalhamos juntos durante seis ou sete anos, diuturnamente”, afirmou a presidente. “Espero que ele possa vir a dar a contribuição”, completou.

 

Democracia

“Nenhum governo será legítimo – que o povo pode reconhecer como produto da sua democracia – sem ser pelo voto secreto direto em uma eleição.”

Dilma Rousseff

PRESIDENTE DA REPÚBLICA