O Estado de São Paulo, n. 44733, 08/04/2016. Política, p. A4

DELAÇÃO DA ANDRADE GUTIERREZ APONTA R$ 150 MI DE PROPINA PARA PT E PMDB

Crise. Em depoimentos, executivos da empreiteira também afirmaram que propinas foram repassadas, como doações registradas, para a campanha eleitoral da presidente Dilma Rousseff em 2014; obra da usina de Belo Monte, no Pará, irrigou os caixas dos dois partidos
Por: Beatriz Bulla/Andreza Matais/ Ricardo Brandt /Gustavo Aguiar

 

A delação premiada dos executivos da empreiteira Andrade Gutierrez aponta pagamento de cerca de R$ 150 milhões em propina na obra da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. O valor seria referente a um acerto de 1% sobre contratos. O dinheiro teria como destino o PT e o PMDB e agentes públicos ligados a esses dois partidos. Entre os depoimentos homologados pelo ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal, estão as colaborações do ex-presidente da empresa Otávio Azevedo e do ex-executivo Flávio Barra. O teor da delação da empreiteira atinge as campanhas eleitorais da presidente Dilma Rousseff, que enfrenta um pedido de impeachment em trâmite no Congresso e ao menos quatro ações no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pela cassação de seu mandato. No total, 11 executivos que atuaram na empresa, a segunda maior empreiteira do Brasil, participaram de depoimentos em colaboração com a Justiça, segundo fontes com acesso ao caso. Os nomes de funcionários foram apontados pelo próprio Azevedo. A Andrade Gutierrez é um dos alvos da Operação Lava Jato, que investiga há dois anos esquema de corrupção na Petrobrás. Nos depoimentos, os executivos relataram que a empreiteira realizou pagamentos diretos a uma empresa contratada pela campanha eleitoral de Dilma Rousseff, em 2010. No entanto, Azevedo afirmou que a Andrade Gutierrez também se envolveu em irregularidade em obras de estádios da Copa do Mundo e relacionadas à Belo Monte que estão fora da Lava Jato. Segundo reportagens da revista Veja em março passado e da Folha de S. Paulo ontem, os delatores afirmaram que recursos de propina abasteceram a campanha à reeleição de Dilma em 2014, o que deve reforçar as ações contra ela no TSE. Eles teriam entregue planilhas e informações para comprovar as afirmações. As informações foram confirmadas pelo Estado. Azevedo fez uma planilha com os valores de doação e apontou R$ 15,7 milhões para a campanha presidencial de 2010 e R$ 34,68 milhões para a de 2014. Os recursos foram registrados como doações legais, mas, segundo o executivo, R$ 10milhões das doações da campanha de 2014 têm origem em superfaturamento de contratos em três obras: Complexo Petroquímico do Rio (Comperj), usina de Angra 3 e Belo Monte. O esquema delatado teria sido estruturado com ajuda dos ex-ministros da Casa Civil Antonio Palocci, em 2010, e Erenice Guerra, em 2014. O PMDB, partido do vice-presidente Michel Temer, também teria recebido doações legalmente registradas com dinheiro de propina. Flávio Barra confirmou os repasses de dinheiro em depoimento à Procuradoria-Geral da República. Azevedo e Barra chegaram a ser presos pela Lava Jato, mas estão em liberdade.

 

Indícios. Antes de homologar as delações, um juiz auxiliar do ministro Teori Zavascki ouviu os executivos para confirmar a legalidade do acordo. A partir de agora, a Procuradoria-Geral da República pode solicitar abertura de inquéritos ou oferecer denúncias com base nos indícios apontados pelos delatores da empreiteira. As informações relativas à campanha eleitoral de 2014 devem ser usadas nos processos que correm no Tribunal Superior Eleitoral que pedem a cassação da chapa formada pela presidente Dilma Rousseff e pelo vice Michel Temer. Os advogados da empresa disseram que ainda não foram informados oficialmente sobre a homologação das delações.

Azevedo é o terceiro empreiteiro a associar doações de campanha oficiais ao dinheiro obtido no esquema de corrupção na Petrobrás. Ricardo Pessoa, da UTC, e Augusto Mendonça, da Setal,já haviam feito o mesmo em colaborações com a Lava Jato

 

Sigilo. Teori afirmou ontem que cumprirá a lei sobre o sigilo das delações premiadas. “Em matéria de delação premiada, a lei estabelece que tudo tem que ser mantido em sigilo. Enquanto as partes não abrirem mão do sigilo, eu vou cumprir a lei.” A Andrade Gutierrez teve papel central na formação dos consórcios que atuaram nas obras de Belo Monte. Além da empreiteira, Camargo Corrêa, Odebrecht, OAS e Queiroz Galvão participaram das obras. Ao todo, dez empresas faziam parte dessa sociedade para execução dos serviços de construção da unidade. Cada empreiteira ficou responsável pelo pagamento de um porcentual relativo ao fatiamento de obras. O leilão para construção e operação de Belo Monte foi realizado em abril de 2010 e as obras, fechadas em 2011. Dois consórcios disputaram o leilão da usina: o vencedor Norte Energia, formado por Chesf, Queiroz Galvão, OAS, Mendes Junior, entre outras, e o derrotado Belo Monte Energia, que tinha como sócias as estatais Furnas e Eletrosul e a empreiteira Andrade Gutierrez. A delação de executivos da Camargo Corrêa já havia apontado propina de 1% em Belo Monte. Com base nessas revelações, a Lava Jato obteve a confirmação da Andrade Gutierrez. Barra foi, segundo as investigações, um dos principais interlocutores das empresas do consórcio na formação desse pool para pagamento de propina. As obras de Belo Monte foram divididas em duas etapas: concessão para operação da usina e licitação para as obras. A delação da Andrade detalha ainda o papel do irmão de Palocci, Adhemar Palocci Filho, conhecido como Palocinho, no recebimento de propina. Os delatores também devem confirmar o repasse de doações oficiais que teria ocultado propina. /BEATRIZ BULLA, ANDREZA MATAIS, RICARDO BRANDT e GUSTAVO AGUIAR

 

PARA ENTENDER

Grupo figura entre maiores

 

O grupo Andrade Gutierrez é um conglomerado que atua em vários segmentos da infraestrutura. Detém participação nas empresas CCR (que administra as rodovias Bandeirantes e Anhanguera); na holding elétrica Cemig; na hidrelétrica Santo Antônio, no Rio Madeira; na empresa de saneamento Sanepar; e na companhia de telecomunicações Oi, entre outros negócios de grande porte. Até 2013, antes da Operação Lava Jato, da Polícia Federal, a empreiteira ocupava o segundo lugar no ranking dos maiores construtores do Brasil, atrás apenas da Odebrecht. Na época, o faturamento da empresa com a construção era de R$ 5,3 bilhões, segundo o ranking da Revista Empreiteiros. Em 2014, ano que foi deflagrado o esquema de corrupção em contratos da Petrobrás, a construtora perdeu espaço para Queiroz Galvão e Camargo Corrêa. Com faturamento de R$ 4,3 bilhões, a empreiteira caiu para o 4º lugar. Na lista das últimas obras executadas pela construtora, estão a Hidrelétrica Belo Monte, no Pará, as arenas Beira-Rio, em Porto Alegre, e Amazônia, em Manaus, e o Sistema Produtor São Lourenço, em São Paulo. No total, a companhia já levantou mais de 900 projetos no Brasil e no exterior.

 

 

RAIOX DE BELO MONTE

 

Custo

A Hidrelétrica Belo Monte, em Altamira (PA), foi orçada em R$ 16 bilhões, leiloada por R$ 19 bilhões e financiada por R$ 28 bilhões. O custo das obras, porém, ultrapassam R$ 30 bilhões.

 

Leilão

O leilão para a construção e a operação da usina foi realizado em abril de 2010 e vencido pelo Consórcio Norte Energia.

 

Acionistas

A usina tem como acionistas Grupo Eletrobrás, Neoenergia, Cemig, Light, Vale, J.Malucelli, Sinobrás e os fundos de pensão Petros (dos funcionários da Petrobrás) e Funcef (da Caixa).

 

Atraso

Com atraso de mais de um ano, devido a paralisações das obras, pelo cronograma original, a hidrelétrica já deveria estar com sete unidades em operação, gerando um total de 844 megawatts.

 

PONTOS-CHAVE

 

Doações seriam fruto de propina em obras

 

2010

O ex-ministro Antonio Palocci coordenou a primeira campanha de Dilma, que, segundo Azevedo Marques, recebeu recursos de maneira ilegal.

 

2014

O atual ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social, Edinho Silva, foi o tesoureiro do comitê petista na campanha de reeleição de Dilma Rousseff

 

2016

Ex-executivos da Andrade Gutierrez afirmaram que o repassasse de doações oficias à campanha de 2014 ocultaram R$ 10 milhões em propina.