O globo, n. 30.207, 20/04/2016. Rio, p. 23

Polêmica na banda larga

OAB critica Anatel e pode ir à Justiça contra restrições. Ministro quer manter planos ilimitados

“É inaceitável que uma entidade pública destinada a defender os consumidores opte por normatizar meios para que as empresas os prejudiquem” Claudio Lamachia Presidente da OAB

A OAB reagiu à decisão da Anatel de permitir que as operadoras limitem o acesso à internet fixa. E ameaçou ir à Justiça, por entender que a cobrança fere o Código de Defesa do Consumidor. O ministro das Comunicações, André Figueiredo, afirmou que vai agir para manter a oferta de planos ilimitados. -BRASÍLIA E RIO- Um dia depois de o presidente da Anatel, João Rezende, afirmar que a era da internet fixa ilimitada chegou ao fim, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) acenou com a possibilidade de recorrer à Justiça contra a cobrança. O novo modelo proposto pelas empresas já havia sido alvo de críticas e de promessas de ação judicial por parte de órgãos de defesa do consumidor. A polêmica, porém, ganhou força com a decisão da Anatel, na segunda-feira, de proibir apenas temporariamente a adoção do modelo, até que as operadoras apresentem ferramentas de controle de uso, além de uma carência de 90 dias.

A OAB enviou à Anatel um ofício solicitando que não seja possível restringir o acesso dos clientes à banda larga fixa e ameaçou ir à Justiça caso o órgão regular não volte atrás. Em nota, o presidente da OAB, Claudio Lamachia, criticou a agência e classificou a proposta de cobrança como “anticoncorrencial”. “É inaceitável que uma entidade pública destinada a defender os consumidores opte por normatizar meios para que as empresas os prejudiquem”, disse.

Na avaliação da OAB, a posição da Anatel — de que as teles podem limitar o acesso, reduzir a velocidade de conexão ou cobrar por excedentes de consumo quando o usuário chegar ao limite de dados previsto em contrato — fere o Marco Civil da Internet e o Código de Defesa do Consumidor. “A Anatel parece se esquecer de que nenhuma norma ou resolução institucional pode ser contrária ao que define a legislação”, disse Lamachia, em nota, destacando que a banda larga fixa à disposição da sociedade é um “ato de cidadania”. Procurada, a Anatel disse que não comentaria as manifestações.

O ministro das Comunicações, André Figueiredo, disse que vai agir para manter a oferta de planos de banda larga fixa sem limites de dados e para que os contratos vigentes não sejam prejudicados:

— O usuário não pode ser, de forma nenhuma, prejudicado. A colocação do presidente da Anatel foi totalmente desnecessária e está causando muita celeuma. Talvez em alguns países não existam (planos ilimitados), mas a realidade do Brasil precisa ser respeitada — disse ao GLOBO. GOVERNO TENTA OBTER COMPROMISSO DE TELES Figueiredo disse que procurou a Vivo — que deu início à polêmica ao comunicar os consumidores sobre limites em novos contratos, que seriam cobrados a partir do próximo ano — e que procurará outras teles para que elas se comprometam a respeitar contratos em vigor. A expectativa do governo é fechar acordos nesse sentido já na próxima semana.

Procurada, a Telefônica Vivo informou que, se vier a limitar os dados, fará todos os esforços para tirar as dúvidas dos usuários. Segundo a operadora, o compromisso negociado prevê não mudar unilateralmente contratos em vigor e, para contratos novos, deixar à disposição dos clientes, durante meses, ferramentas para medir seu consumo e assim encontrar o plano mais adequado ao seu perfil.

Segundo uma fonte da Anatel, mesmo que os planos vigentes tenham suas regras mantidas, na prática, os contratos tendem a ser renovados com o tempo pelo próprio avanço da velocidade de acesso da internet e da demanda de dados.

O ministro destaca que o consumidor precisa ter acesso a informações claras:

— O consumidor não pode fazer adesão a um plano que não está de acordo com as necessidades dele, porque o usuário não tem noção, por exemplo, do que dez gigabytes de franquia podem propiciar.

Levantamento feito pelo GLOBO mostra que um pacote com 80 gigabytes de dados, por exemplo, não é suficiente para assistir, em alta qualidade, a uma temporada completa da série “House of Cards”, considerando gasto de dez gigabytes por hora. Da mesma forma, quem faz download de jogos só conseguiria baixar um por mês. Ainda é possível, porém, assistir a 17 filmes no iTunes. Mas é preciso levar em conta que a franquia é compartilhada pelos moradores de uma casa. EFEITO EM LAZER E EDUCAÇÃO Para Carlos Affonso, diretor do Instituto de Tecnologia & Sociedade do Rio (ITS), afirma que os números mostram o quão prejudicial pode ser o limite de consumo:

— Uma franquia baixa pode ser prejudicial. E não apenas para o entretenimento. Isso inclui também cursos de educação à distância e videoaulas de cursinhos para concurso, por exemplo. Não dá para dizer que ver vídeos é somente para heavy-users. As franquias baixas jogam por terra a experiência da internet para a população brasileira.

Especialistas em telecomunicações argumentam que a cobrança de franquia na internet fixa é resultado de uma briga entre as empresas de telefonia e as companhias de internet, como Facebook, Netflix e Google. Para eles, a maior demanda por vídeo tem causado forte aumento no tráfego de dados. Neste cenário, as companhias tentariam repassar ao consumidor o custo maior de investimentos em rede.

— Na banda larga fixa, o vídeo, que hoje representa 67% do total do tráfego, deve subir para 80% em 2020. O vídeo será dominante — disse Hugo Baeta, diretor da empresa de tecnologia Cisco para o segmento de Operadoras.

Para Frederico Ceroy, coordenador do Instituto Brasileiro de Direito Digital, o modelo de franquia de banda larga fixa é adotado em vários países. As dificuldades no Brasil se devem, segundo ele, sobretudo à falta de infraestrutura necessária para que as operadoras entrem os dados propostos na franquia. Para ele, o pagamento de franquia será inevitável, e quanto mais tarde for adotado, maior será a diferença entre o que a operadora vende e o que ela entrega.

— De um lado, não temos infraestrutura necessária para que as empresas entreguem o valor real da franquia. De outro, não conseguimos chegar a essa infraestrutura sem cobrar pela internet — pondera. — Para o marketing da operadora é mais interessante oferecer banda larga ilimitada. Mas, com o uso exacerbado de streaming, download ,a matemática não fecha, não há infraestrutura.

O empreendedor digital Celso Fortes diz que as empresas deveriam buscar outros caminhos:

— Lá atrás, foram as operadoras que ofereceram planos melhores, com desconto aos clientes. Depois que se dá algo ao consumidor, é muito difícil retirar. (*) Estagiário sob supervisão de Janaina Lage