Correio braziliense, n. 19318, 16/04/2015. Política, p. 3

Negociações a todo vapor

CRISE NA REPÚBLICA - Os dois lados entram na reta final do impeachment na Câmara com uma missão: conquistar os votos dos adversários
Por: PAULO DE TARSO LYRA E NAIRA TRINDADE

PAULO DE TARSO LYRA

NAIRA TRINDADE

 

Governadores, ex-ministros licenciados, lideranças políticas, telefones, conversas, filas e negociações para o pós-domingo. Na antevéspera da votação do impeachment da presidente Dilma Rousseff no plenário da Câmara, em um Congresso relativamente vazio, parlamentares se revezavam na tribuna em discursos mais ou menos monocórdicos favoráveis ou contrários ao afastamento da petista. Mas os centros nervosos estavam distantes do parlamento: o Royal Tulip, onde está hospedado o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva; e o Palácio do Jaburu, residência oficial do vice-presidente Michel Temer.

“Estamos conseguindo virar alguns votos. A ação de Lula e dos governadores está sendo importante”, garantiu um abatido Wadih Damous (PT-RJ). Ao ser questionado quanto aos números da oposição, que aponta uma margem de folga favorável ao afastamento de Dilma, o deputado petista, ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), se irritou: “Eles que mostrem a lista. Se tiverem de fato os votos, eu topo encerrar a votação hoje”.

“Nós temos os votos de sobra. Tanto que, agora, eles (os governistas) estão trabalhando para o esvaziamento do plenário no domingo, pois sabem que não vão conseguir os votos necessários para evitar o impeachment”, disse o deputado Danilo Forte (PSB-CE). “Mas isso é a negação do mandato. Quem deixará de vir aqui para votar em um momento tão crucial para o país?”, questionou o socialista.

Lula continua trabalhando na expectativa de reverter votos para salvar a pupila. Ele divulgou nas redes sociais um vídeo no qual lembra as conquistas democráticas do país após a Constituição de 1988 e os avanços sociais obtidos com a chegada do PT ao poder, em 2003. “Todo esse esforço pode ser jogado fora por um passo errado, impensado, no próximo domingo. Uma coisa é divergir do governo, criticar os erros e cobrar mais diálogo e participação. Este é o papel do Legislativo, que deve ser e será respeitado. Outra coisa é embarcar em aventuras, acreditando no canto de sereia dos que se sentam na cadeira antes da hora”, atacou o ex-presidente.

No Congresso, um batalhão de governadores aliados entrou em ação. Flávio Dino (MA); Wellington Dias (PI); Camilo Santana (CE); Rui Costa (BA) e o vice, João Leão, pai do deputado Cacá Leão (PP-BA), de uma bancada que fechou questão a favor do afastamento da presidente, saíram em defesa do governo. Embora distante, o governador da Paraíba, Ricardo Coutinho, também está empenhado.

Dino encontrou-se ontem com Dilma no Planalto. “Externei mais uma vez a convicção da maioria dos governadores do Nordeste, que estão engajados plenamente e confiantes de que a Câmara vai votar no sentido da manutenção das regras do jogo democrático”, afirmou o governador do Maranhão, acrescentando ser possível virar de 20 a 30 votos. “Esse movimento vai continuar, porque temos aqui a presença de nove a 10 governadores, assim como de movimentos sociais, entidades sociais que estão conversando com deputados”, completou.

 

“Barata voa”

No lado peemedebista, a estratégia é semelhante, embora em um patamar de tensão bem menor. “Eles estão muito mais desesperados que nós. Perderam os recursos no Supremo Tribunal Federal, recuaram da decisão do pronunciamento em cadeia de rádio e televisão na noite de hoje (ontem). É um clima de barata voa generalizado”, afirmou um peemedebista próximo a Temer.

O mesmo aliado garante que, neste momento, não estão sendo prometidos cargos.“Isso implodiria qualquer tipo de conversa, de pronto”, ponderou. Para esse aliado de Temer, o vídeo do ex-presidente Lula, colocando-se como fiador de um futuro governo, está desatualizado. “Ele não pode iniciar as palavras defendendo a Constituição Federal de 1988, a mesma que o PT se recusou a assinar”, atacou o peemedebista.

A situação é tão distinta que Temer decidiu, no meio da tarde, viajar para São Paulo, de onde acompanhará os desdobramentos do fim de semana. A expectativa é de que ele conceda uma entrevista coletiva na noite de domingo, logo após o término da votação da Câmara.

O deputado Chico Alencar (PSol-RJ) lembrou que o vice-presidente já expôs o que pensa caso o PMDB venha a assumir o Palácio do Planalto. “Várias menções a ajuste fiscal severo, desvinculação de recursos para Saúde e Educação, perdas de direitos trabalhistas. E nenhuma menção ao combate à corrupção ou à Operação Lava-Jato. São as mesmas castas de poder que querem se revezar”, disse Chico Alencar.

 

Frase

“Nós temos os votos de sobra. Tanto que, agora, eles (os governistas) estão trabalhando para o esvaziamento do plenário no domingo”

Danilo Forte (PSB-CE), deputado

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