Correio braziliense, n. 19305, 03/04/2016. Economia, p. 10

Mar de desperdício nos portos

Simone Kafruni

Com mais de 7 mil quilômetros de costa marítima e uma das maiores redes fluviais do mundo, o Brasil padece com uma estrutura portuária precária, que precisa de investimento para dar competitividade logística ao escoamento da produção nacional. Porém, de Norte a Sul, erros grosseiros do governo afastam investidores e jogam pelo ralo o dinheiro público. Enquanto obras de dragagens não homologadas provocam desperdício de quase R$ 700 milhões no Rio Grande do Sul, falhas em editais resultam em sala vazia nos leilões de quatro áreas de Terminais de Uso Privado (TUPs) no Pará.

Um dos problemas recorrentes no país é a sobreposição de órgãos públicos que interferem nas obras de infraestrutura e, por não atuarem de forma conjunta, provocam atrasos nos empreendimentos. Um exemplo é o que ocorreu no Porto de Rio Grande (RS). Em 2009, dentro do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o governo investiu R$ 196 milhões para aprofundar o calado do canal e R$ 500 milhões no alongamento dos molhes. O objetivo era ampliar para 16 metros a profundidade na parte interna e para 18 metros fora do canal para receber navios com maior capacidade de carga.

Apesar de realizadas, as obras não foram homologadas pela Marinha do Brasil e navios de maior porte nunca foram permitidos de navegar pelo Porto de Rio Grande. Hoje, seis anos depois de concluída, a dragagem precisa ser refeita por conta dos sedimentos que se depositaram no local, ao custo de mais R$ 397 milhões. Procurada, a Secretaria Especial dos Portos (SEP) diz apenas que “todas as obras feitas são realizadas com base em estudos técnicos”.

A Marinha explica que é responsável apenas pela fiscalização dos aspectos relacionados à segurança da navegação local. “No caso específico do porto de Rio Grande, o motivo da não homologação, até o momento, é técnico: o levantamento hidrográfico apresentou inconsistências — incerteza vertical acima da preconizada pelas especificações técnicas — que impediram a Marinha de usar os dados para a atualização cartográfica náutica local”, ressalta, em nota. Diz, ainda, que o assoreamento é uma característica da região e “há necessidade frequente de dragagem”.

 

Desunião

Agentes do setor portuário se preocupam com o fato de os órgãos responsáveis pelas obras e sua homologação não atuarem de forma integrada, a fim de evitar desperdícios como o que ocorreu em Rio Grande e que se repete em vários portos brasileiros. Claudio Frischtak, presidente da Inter.B Consultoria, conta que caso semelhante ocorreu na Bahia. “A dragagem foi contratada pelo porto público, mas não foi concluída e a draga ficou parada. Como tinha um terminal privado perto, o empreendedor contratou o equipamento e resolveu o problema por uma fração do preço que o governo estava pagando para mantê-la parada. Ou seja, o desperdício é muito maior que imaginamos”, assinala. “Se o porto fosse privado, não aconteceria esse tipo de descalabro”, emenda.

Frischtak ressalta que o problema que ocorreu em Rio Grande é reincidente e ocorre em todos os portos públicos. “Por que essa incapacidade? Será que há problemas que vão além da incompetência do governo? Por que o setor privado consegue e o público, não?”, questiona o especialista. Além dos desperdícios de dinheiro público, há problemas de execução das obras. “Milhares de projetos do PAC não foram completados e tudo o que o TCU (Tribunal de Contas da União) faz é levantar o sobrepreço e o atraso das obras”, lamenta o presidente da Inter.B

Para Marlon Ieiri, advogado especialista em Infraestrutura do escritório L.O.Baptista-SVMFA, que esteve em Rio Grande, o problema é grave. “É um dos portos mais antigos do país e tem um calado que não é fundo o bastante. Isso demonstra a falta de planejamento e de atuação integrada dos órgãos responsáveis”, destaca.

O atraso nas obras e o aumento do custo são outros fatores que emperram a modernização dos portos. A dragagem no Porto de Vitória (ES) foi iniciada em 2012, mas, conforme a SEP, características geológicas do terreno dificultaram a conclusão. Somente em junho deste ano, o equipamento que permitirá a execução dos serviço chegará ao porto. O prazo para conclusão, que era dezembro do ano passado, passou para o fim de 2016. Os gastos, que inicialmente foram calculados em R$ 85,6 milhões, subiram para R$ 109 milhões.

 

Troca-troca na pasta

 

A troca constante de ministros na Secretaria Especial de Pesca atravanca o desenvolvimento dos portos brasileiros. Desde 2007, quando foi criada, seis titulares ocuparam a pasta. O atual ministro, Helder Barbalho, apesar de elogiado pelo presidente da Associação Brasileira de Terminais Portuários (ABPT), Wilen Manteli, e por Luiz Antonio Fayet, consultor de Infraestrutura e Logística da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA), como o “melhor e mais dinâmico”, é do PMDB, partido que ameaça deixar o governo.