Correio braziliense, n. 19303, 01/04/2016. Política, p. 5

Investigação sobre Lula fica no STF

Eduardo Militão

Em uma sessão na qual o ministro Teori Zavascki demonstrou preocupação com possível anulação da Operação Lava-Jato, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou ontem que é a própria corte quem decidirá onde devem correr as investigações contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Até lá, todos os processos relacionados a ele ficam no tribunal. Não há prazo sobre quando a corte vai separar a parte das apurações que fica no Supremo e qual deve, eventualmente, ser devolvida para o juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sérgio Moro, que julgava o caso até então.

A decisão de ontem confirmou liminar de Teori dada na semana passada, o que já era esperado. Nela, o relator da Lava-Jato na corte ordenou que deveriam ser enviados ao tribunal todos os procedimentos relacionados a Lula, e não apenas as escutas telefônicas que captaram conversas dele com a presidente Dilma Rousseff, ministros de Estado e demais autoridades com foro privilegiado no STF. Os procedimentos já foram enviados pela 13ª Vara, mas, até ontem, a informação em Curitiba era que faltava um inquérito referente a um tríplex em Guarujá (SP), que inicialmente era analisado na Justiça Estadual de São Paulo, mas estava pendente de análise de um recurso do Ministério Público.

No julgamento, os ministros também referendaram a ordem de Teori para suspender a divulgação das escutas telefônicas.

Os ministros Luiz Fux e Marco Aurélio concordaram com a retomada do sigilo dos áudios, mas afirmaram que Sérgio Moro tinha competência para avaliar qual parte deveria ser enviada ao STF e qual não deveria.  “Eu fico a imaginar se o juiz de primeiro grau não tem o mínimo de possibilidade de aferição da seriedade dos fatos que se passam sob o seu crivo antes de remeter os áudios ao STF”, disse Fux, ao defender o magistrado da 13ª Vara.

Por sugestão de Teori, o julgamento de ontem deverá ser cumprido imediatamente antes da publicação. “Com isso, se agiliza essa decisão e se decide o que fica e o que deve ser cindido [dividido]”, esclareceu Teori. “E que sejamos tão rápidos no gatilho como tem sido o juiz Sérgio Moro”, brincou Marco Aurélio. Moro já mandou ao Supremo pelo menos seis processos referentes a Lula. Um deles apura se Lula é dono oculto de um sítio em Atibaia (SP), registrado em nome de empresários amigos de um de seus filhos e com reformas bancadas por empreiteiras acusadas de desviar dinheiro da Petrobras. Noutro, se tentou obstruir as investigações do caso.

 

Esse filme

Ao explicar sua decisão, Teori demonstrou preocupação com possibilidade de a Lava-Jato ser anulada. O Superior Tribunal de Justiça, em parte com aval do STF, já mandou para a lixeira as operações Castelo de Areia, Boi Barrica e Satiagraha. “Diante da grave situação que o país passa, é importante, sim, que nós investiguemos, que o Judiciário controle isso, que o Ministério Público se empenhe, que as autoridades policiais se empenhem no sentido de investigar e punir quem for culpado, independentemente do cargo que ocupam, da situação econômica que ocupada, do partido político a que pertence”, avaliou Teori.

O ministro alertou sobre anulações conhecidas. “Eventuais excessos que se possa cometer, com a melhor das intenções de apressar o desfecho das investigações ou de eventuais punições, nós já conhecemos essa história e já vimos esse filme. Isso pode se reverter justamente num resultado contrário.” Teori destacou que “não será a primeira vez que, por força de cometimento de ilegalidades no curso das apurações ou no curso da ação penal, o Supremo e o STJ anularam procedimentos penais nessas situações”. O ministro disse que papel do Judiciário é permitir investigações, mas com o devido processo legal garantindo a ampla defesa. “É nessa linha que eu tenho procurado pautar e é nessa linha essa decisão que eu tomei.”

 

Lewandowski pede informações a Mendes

 

O presidente do STF, Ricardo Lewandowski, pediu informações ao ministro Gilmar Mendes em petição dos advogados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A defesa do petista questiona por que processos sobre a nomeação de Lula para o governo Dilma Rousseff foram distribuídos a Mendes. Lewandowski já pediu informações ao relator da Lava-Jato na corte, Teori Zavaski, que disse que não avaliou não ter competência natural para julgar esse tipo de processo.

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Barroso: 'Isso é um desastre"

 

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso lamentou ontem a crise política brasileira, criticando particularmente o PMDB. “Quando, anteontem, o jornal exibia que o PMDB desembarcou do governo e mostrava as pessoas que erguiam as mãos, eu olhei e pensei: Meu Deus do céu! Essa é a nossa alternativa de poder”, disse ele, em conversa com alunos da Fundação Lemann, na sala da sessão da 1ª Turma do Supremo. “Eu não vou fulanizar, mas quem viu a foto sabe do que estou falando.”

A foto em questão trazia imagens de peemedebistas, na qual o senador e ex-líder do governo Romero Jucá (RR) anunciava a saída da base aliada, ladeado do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (RJ), e do ex-ministro da Aviação Civil Eliseu Padilha (RS).

“O problema da política neste momento, eu diria, é a falta de alternativa”, continuou Barroso. “Não tem pra onde correr. Isso é um desastre. Porque numa sociedade democrática a política é um gênero de primeira necessidade. (Quando eu disse que) A política morreu, talvez eu tenha exagerado, mas ela está gravemente enferma. É preciso mudar.”

O PMDB deixou o governo e reforçou o coro da oposição e demais descontentes com o governo Dilma pelo impeachment da presidente. Com a saída dela do poder, assumiria o vice-presidente, Michel Temer, presidente do PMDB. Em caso de eventual vacância no poder de Temer, como uma simples viagem ao exterior, quem assumiria a Presidência seria Eduardo Cunha, réu no STF por causa da Lava-Jato.

 

Corrupção generalizada

Barroso disse que o Brasil tem inúmeros problemas, como o sistema eleitoral, o financiamento de campanhas e a existência do foro privilegiado para políticos. “Nós nos perdemos em muitos caminhos diferentes”, disse. “Nós temos um sistema político que não tem o mínimo de legitimidade democrática, deu uma centralidade imensa ao dinheiro e à necessidade de financiamento e se tornou um espaço de corrupção generalizada.”

As afirmações foram captadas e transmitidas pelo circuito interno de televisão do tribunal na tarde de hoje. “Estou falando aqui em um ambiente acadêmico, como se eu estivesse falando com os meus alunos”, disse o ministro em determinado momento. Ao final da conversa, Barroso foi avisado que a sessão estava sendo transmitida ao vivo.(EM)

 

FHC diz que aceita dialogar com o governo

 

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse ontem que aceita dialogar com lideranças políticas do governo, desde que o preço não seja abafar a Lava-Jato e que agenda seja pública. A declaração foi feita em entrevista ao jornalista Mário Sérgio Conti, no programa Diálogos, da TV Globo News. O tucano também disse que, se Congresso rejeitar impeachment, as forças contra a presidente Dilma Rousseff se concentrarão no TSE, onde o pedido de cassação alcança, também, o vice-presidente, Michel Temer. FHC avaliou que o ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal, agiu bem retirando de Sérgio Moro, mesmo que temporariamente, a investigação contra o ex-presidente Lula.