Correio braziliense, n. 19308, 06/04/2016. Política, p. 2

Sombra do impeachment se volta contra Temer

Paulo de Tarso Lyra

Julia Chaib

Marcella Fernandes

Nivea Ribeiro

No dia em que o PMDB decide blindar o vice-presidente Michel Temer, alvo de ataques maciços do PT e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, afastando-o do comando do partido, o principal beneficiário do impeachment da presidente Dilma Rousseff sofreu um baque. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello concedeu liminar obrigando o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, a deflagrar um pedido de impeachment contra Temer, que havia sido recusado anteriormente.

A acusação contra o vice é de que ele cometeu, a exemplo de Dilma, crime de responsabilidade fiscal ao aprovar a abertura de créditos suplementares para diversas áreas da administração. Sem conseguir convencer os seis ministros do PMDB que ainda resistem a entregar os cargos e tachado de golpista pelos petistas, Temer acertou, na tarde de segunda-feira, em reunião com o vice-presidente da legenda, Romero Jucá, o eterno aliado Eliseu Padilha e o presidente da Fundação Ulysses Guimarães, Moreira Franco, passar o bastão para que o PMDB possa contra-atacar.

Em seu primeiro discurso como presidente do PMDB, Jucá comprou a briga e ficou na tribuna por mais de três horas. Relembrou que, desde 2014, durante a convenção partidária que aprovou a repetição da chapa presidencial Dilma-Temer, 40% dos peemedebistas era contra a reedição da parceria. “Eu era um deles e votei em Aécio Neves (PSDB-MG) para presidente porque sou economista e sei fazer contas. Queria estar errado sobre os desgovernos desta gestão, mas não estava”, disse ele.

Jucá lembrou que o PMDB sempre deu os votos necessários para aprovar projetos importantes para o país, estendeu a mão para o governo mas este não quis a ajuda. Recordou a entrevista dada ao Correio há uma semana.  “Michel não era copiloto desse avião, era apenas o comissário de bordo. Nossa missão era orientar os passageiros, pedir que apertassem os cintos e dar os saquinhos para vômito”, ironizou.

O novo presidente do PMDB disse que “o maior partido do país não pode ficar de costas para as ruas”, que desejam um novo governo, uma mudança no Brasil. “O governo atual perdeu a credibilidade, a segurança jurídica e as condições para dar previsibilidade às decisões econômicas.”, disse Jucá. Ele completou que não tem medo de cara de feia. “O PT vai fazer ameaças bolivarianas, vai juntar Venezuela com Estado Islâmico. Pode ter fora Temer? Pode. Mas hoje já existe fora Dilma.”

Assim que acabou o discurso, o ato do PMDB foi alvo de críticas de governistas. “Creio que a saída do vice-presidente Temer da Presidência do PMDB é uma ação tardia para disfarçar o indisfarçável; que o vice-presidente Michel Temer está há muito tempo articulando freneticamente esse impeachment”, disse o senador Lindbergh Farias (PT-RJ). “Está parecendo que os senhores estão se aproveitando de mobilizações legítimas para tentar dar uma quartelada parlamentar e assumirem o poder”, continuou o senador.

 

Prejuízos

Enquanto no Senado o debate se tratava em torno da mudança na presidência no PMDB, Cunha discutia, na Câmara, o cumprimento ou não da decisão de Mello que o obrigou liminarmente a criar uma comissão para analisar se Temer cometeu crime de responsabilidade fiscal. “(...) Cabe ao presidente a análise formal da denúncia-requerimento. A ele não incumbe, substituindo-se ao colegiado, o exame de fundo. Entender-se em sentido contrário implica validar nefasta concentração de poder, em prejuízo do papel do colegiado, formado por agremiações políticas diversas”, diz o texto.

O pedido de impeachment de Temer é de autoria do advogado Mariel Márley Marra e foi protocolado em 21 de dezembro de 2015 na Câmara. Cunha o arquivou em 5 de janeiro — foi o segundo pedido contra Temer rejeitado pelo peemedebista.O entendimento de Marco Aurélio acabou ironizado pelo ministro Gilmar Mendes: “Eu também não conhecia impeachment de vice-presidente. É tudo novo para mim. Mas o ministro Marco Aurélio está sempre nos ensinando”, disse ele.

Cunha, que responde a processo no Conselho de Ética da Casa por denúncias de corrupção, avisou que recorrerá da decisão liminar de Marco Aurélio. “Nós achamos a decisão absurda, teratológica, vamos recorrer, não só agravando, provavelmente entrando com um mandado de segurança, com uma reclamação na própria ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), cujo julgamento não foi concluído, porque o acórdão dos embargos ainda não foi publicado”, disse Cunha.

Segundo o presidente da Câmara, Mello contraria as próprias decisões tomadas por ele anteriormente, inclusive, no julgamento da ação que definiu as normas para o rito do impeachment. “Criou uma confusão desnecessária, inominável, e que deveria no mínimo ter sido levada a plenário, como fez o ministro Fachin”, avaliou o peemedebista. A decisão será cumprida caso os outros ministros do Supremo concordem com Mello, ponderou Cunha.

Por enquanto, apenas o PSol e a Rede confirmaram que farão indicações ao colegiado. O deputado Wadih Damous (PT-RJ) disse que a legenda deve agir da mesma maneira, mas por ora, governistas são contra o processo contra Temer. “Eu só vou instalar a comissão se houver número para isso”, disse Cunha. “A nossa visão em relação ao impeachment do vice-presidente é a mesma em relação à da presidente Dilma. Ou seja, não há crime. Se não há crime, é colocar em retrocesso aquilo que está se estabelecendo”, disse o líder do PT no Senado, Paulo Rocha (PA).

 

O senador Aécio Neves (PSDB-MG), um dos principais nomes da oposição,  disse que o partido ainda não tem posição formada sobre o processo contra Temer, apesar de também se tratar de pedaladas. Durante a reunião de líderes, o líder do PSol, deputado Ivan Valente (SP), questionou a decisão, mas foi voto vencido. Segundo relatos, o líder do DEM, Pauderney Avelino (AM), e Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), vice-líder do bloco do PP, PTB e PSC, fizeram as defesas mais inflamadas de Temer. Cunha disse ainda que faria uma consulta à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

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Caixa na negociação de cargos

Apesar das declarações oficiais de que qualquer reforma ministerial só será feita após a votação do processo de impeachment na Câmara, as articulações seguem intensas para deixar as coisas azeitadas. Principal partido da coalizão com a saída do PMDB, o PP poderá ser também o mais beneficiado caso Dilma escape da degola, incluindo não só ministérios, mas a Caixa Econômica Federal, em uma negociação ousada e arriscada.

O partido abocanhará o Ministério da Saúde, com o deputado Ricardo Barros (PR), e manterá o atual ministro da Integração Nacional, Gilberto Occhi. O partido também controlará a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf) e o Departamento Nacional de Obras contra a Seca (Dnocs). Existem conversas em curso para que a legenda assuma também a presidência da Caixa Econômica.

Para este cargo, o que se desenha nos bastidores é uma negociação ousada. Marcelo Castro, hoje na Saúde, ficaria no posto até a votação do impeachment na Câmara para tentar assegurar o maior número de votos do PMDB.Vencida esta etapa, ele seguiria para o comando da Caixa e mudaria de legenda, indo para o PP, de olho em composições estaduais, já que é deputado federal pelo Piauí.

O presidente nacional do PP, senador Ciro Nogueira (PI), negou as negociações. “O PP não é uma legenda de aluguel para filiar deputados para assumir cargos. O PP tem uma fila e só vamos tratar disso após a votação na Câmara”, disse Ciro ao Correio. (PTL)

 

Reunião hoje

 

As bancadas do PP na Câmara e no Senado realizam reunião hoje, às 14h, para definir a posição do partido em relação ao governo. No entanto, há um clima dentro do partido para que qualquer decisão só pode ser tomada pelo diretório nacional. “O grupo favorável ao impeachment e que entende que o partido deve deixar o governo considera que a reunião não é a instância competente para uma decisão como essa”, afirmou o deputado federal Jerônimo Goergen (RS).