O Estado de São Paulo, n. 44754, 29/04/2016. Política, p. A7

ALVO É A ‘DITADURA DA PROPINA’, DIZ REALE

A senadores, ex-ministro autor de pedido de impeachment critica Bolsonaro e reitera crime fiscal; aliados de Dilma reclamam de tom ‘político’
Por: Luísa Martins / Isabela Bonfim

 

Luísa Martins

Isabela Bonfim / BRASÍLIA

 

Em sessão marcada por discussões, os professores de Direito Miguel Reale Jr. e Janaina Paschoal reiteraram ontem aos senadores da Comissão Especial do impeachment a ocorrência de crime de responsabilidade por parte da presidente Dilma Rousseff, mas também fizeram acusações além da denúncia aprovada pela Câmara, da qual são autores. Reale, que foi ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso, disse que o processo é contra uma “ditadura da propina”. Aliados de Dilma reclamaram do tom “político” das falas.

Ao abrir o discurso, Reale criticou a postura do deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) na votação do impeachment na Câmara, no dia 17. “Lamento que este pedido de impeachment tenha servido de oportunidade para que se homenageasse um torturador.”

“Este pedido de impeachment visa à liberdade. Porque há dois tipos de ditadura: a ditadura explícita dos fuzis e a ditadura insidiosa da propina ou da irresponsabilidade pelo gosto do poder. E é contra esta ditadura que nós estamos lutando”, declarou Reale à comissão.

Reale disse haver “muita clareza” na responsabilidade de Dilma na edição de decretos orçamentários.“ Nunca vi um crime com tanta impressão digital. Pode haver autorização legislativa e, se houver, pode-se editar o decreto.

Mas não houve. Porque não? Por que realizar decretos passando por cima da Casa Legislativa?”

Para o ex-ministro, a responsabilidade fiscal é do chefe do Executivo e que esta é a jurisprudência em julgamentos de prefeitos.

Segundo ele, o próprio advogado- geral da União, José Eduardo Cardozo, defendeu em palestras a responsabilidade de chefes de Executivo em crimes fiscais. E argumentou que Dilma deve responder pelos créditos suplementares e pedaladas porque concentrava nela todas as decisões.

“Sua personalidade centralizadora fazia com que ela tomasse sempre para si as responsabilidades”, disse Reale. “A presidente era considerada efetivamente a ministra da Fazenda. Qual o nome do ministro da Fazenda? Dilma. Qual o nome do ministro dos Transportes? Dilma. Estava tudo com ela.”

Reale foi duramente criticado pelos governistas. “Foi um discurso muito político e não se ateve ao crime de responsabilidade”, disse o senador Lindbergh Farias (PT-RJ). Para ele, “a base conceitual do pedido estava equivocada” e “não havia base jurídica suficiente para se afastar uma presidente”.

 

Autodefesa. Janaina teve mais dificuldades ao fazer sua explanação. Ela gastou pelo menos 10 dos 30 minutos de fala refutando acusações de que teria relações com PSDB ou PMDB. Depois, ao tentar trazer para o discurso elementos da denúncia do impeachment que não foram acolhidos pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), ela foi interrompida. A sustentação oral da professora gerou bate-boca.

Janaina disse que as pedaladas são uma manobra fiscal e que a “maior prova do dolo é que o governo escondeu a manobra, porque sabia que era ilícita”.

Na sessão, que foi se esvaziando, ela também revelou seu desejo de ampliar sua “luta”.“ Vou ajudar a libertar primeiro o Brasil e depois os nossos irmãos na América Latina. Estão pensando que eu vou parar por aqui?” Os governistas ainda sofreram derrotas, ao propor, sem sucesso, que a comissão recebesse documentos e certidões de órgãos públicos que, segundo eles, isentariam Dilma de responsabilidade por crime fiscal. Os papéis serão apresentados hoje, quando a comissão ouvirá Cardozo e os ministros Nelson Barbosa (Fazenda) e Kátia Abreu (Agricultura).

 

SESSÃO SOB TENSÃO

Postura. Conhecida pela defesa enfática do impeachment, Janaina Paschoal teve de negar aos senadores ter ligação com partidos políticos