O Estado de São Paulo, n. 44752, 27/04/2016. Política, p. A7

Para vice, ‘golpe’ é tentar propor eleição antecipada

Temer diz a sindicalistas que seria ‘casuísmo’ encurtar mandato, como defende Lula, e afirma que vai ‘moderar’ divergências da política
Por: Vera Rosa / Lu Aiko Otta / Ricardo Brito / Ricardo Galhardo

 

O vice-presidente Michel Temer criticou ontem a proposta de antecipação das eleições presidenciais, que ganha força no PT e no governo. Em reunião com sindicalistas, Temer chamou a iniciativa de “golpe”, recorrendo ao termo usado pela presidente Dilma Rousseff contra o processo de impeachment, e afirmou que, “por razões do destino”, pode ser o responsável por “fazer a moderação” entre forças políticas divergentes no País.

“Se essa iniciativa (de antecipar eleições) fosse tomada nos Estados Unidos, as pessoas ficariam coradas porque não há uma linha na Constituição sobre isso”, disse Temer, de acordo com relato de dirigentes de quatro centrais sindicais que foram ao Palácio do Jaburu. Na conversa, o vice afirmou que o impeachment está previsto na Constituição, mas considerou “casuísmo” tentar antecipar as eleições.

Dilma já admite, nos bastidores, a possibilidade de enviar ao Congresso uma proposta de emenda constitucional (PEC) para encurtar em dois anos o mandato que se encerra em 2018.

A ideia conta com o apoio do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que tratou ontem do assunto com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) e com senadores do PT. À noite, Renan se reuniu com Dilma, no Palácio do Planalto, e hoje vai conversar com Temer. “Conversar não arranca pedaço”, afirmou Renan. “Vou trabalhar para construir convergências com todos os atores dessa crise política.”

O presidente do Senado disse que Lula está preocupado com os “desdobramentos” do impeachment. “Ele falou que acredita muito no Brasil, que o Brasil é maior do que as suas crises, e que quer colaborar com saídas.”

Ministros do PT e a maioria dos dirigentes da sigla também consideram que Dilma precisa empunhar logo essa bandeira para “emparedar” Temer. A ideia é que antes da primeira votação no plenário do Senado, no dia 11, Dilma apresente a proposta de novas eleições em outubro, quando haverá votação para prefeitos. Já há uma PEC sobre esse tema no Senado, mas auxiliares da presidente avaliam que o gesto de propor o encurtamento do mandato deve ser feito por ela mesma, como gesto de pacificação.

 

Sem volta. Dilma já foi avisada por petistas que o Senado vai autorizar o impeachment. Em jantar no Palácio da Alvorada, na segunda-feira, o próprio Lula disse à presidente que ela precisa se preparar para o afastamento de até 180 dias. Embora nesse cenário a chance de Dilma retornar ao Planalto seja remota, a cúpula do PT e os movimentos sociais avaliam que a pressão sobre Temer, aliada à cobrança por novas eleições, pode ajudar o partido a construir uma narrativa menos traumática.

A estratégia incomoda Temer. “Ele disse que qualquer solução diferente do que está previsto na Constituição é golpe”, disse o presidente da Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB), Antonio Fernandes dos Santos Neto. O vice afirmou que chamará todos os partidos para conversar, incluindo PT, para acalmar os ânimos pós-impeachment. “Talvez seja este o papel que a vida me reservou”, disse Temer. / VERA ROSA, LU AIKO OTTA, RICARDO BRITO e RICARDO GALHARDO