O Estado de São Paulo, n. 44752, 27/04/2016. Política, p. A11

LOBISTA LIGA CUNHA A REPASSE DE R$ 4 MI

Ao Conselho de Ética da Câmara, Fernando Baiano diz que peemedebista o ajudou a cobrar ‘dívida’ relacionada a contratos da Petrobrás
Por: Daiene Cardoso / Julia Lindner

 

Daiene Cardoso

Julia Lindner / BRASÍLIA

 

O lobista Fernando Baiano, confirmou aos integrantes do Conselho de Ética da Câmara que repassou, por meio de um intermediário, R$ 4 milhões em propina ao presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), entre 2010 e 2012. Baiano disse que Cunha o ajudou a pressionar o lobista Júlio Camargo a pagar uma “dívida” de US$ 10 milhões e que, por isso, recebeu parte do valor pagos por Camargo. Segundo Baiano, os R$ 4 milhões, em espécie, foram entregues, “em cinco a seis vezes”, a um funcionário de Cunha chamado Altair, no escritório do parlamentar no Rio de Janeiro.

A comunicação com o presidente da Câmara, de acordo com o lobista, ocorria por meio de mensagens de celular. Baiano, já condenado na Operação Lava Jato, disse que esteve na casa e no escritório de Cunha, ambos no Rio, e até se encontrou algumas vezes com o peemedebista na Câmara dos Deputados. Em duas horas e meia de depoimento, Baiano afirmou aos deputados que conheceu Cunha em 2009, em um café da manhã.

Segundo ele, o peemedebista perguntou se as empresas que o lobista representava fariam doações eleitorais e, diante da impossibilidade de Samsung (coreana) e Mitsui (japonesa) colaborarem com campanhas fora de seus países, Baiano pediu a Cunha que o ajudasse a pressionar Camargo, em troca de colaboração financeira.

A “ajuda” de Cunha, relatou Baiano, veio por meio de requerimentos encaminhados à Comissão de Fiscalização da Câmara, onde eram solicitadas informações sobre contratos que as empresas representadas por Camargo tinham com a Petrobrás.

“O requerimento foi, sim, uma forma de pressão, era uma dívida que se arrastava por três anos”, disse o delator. Ainda assim, afirmou, Camargo nunca pagou a totalidade da “dívida”.

Aliados de Cunha insistiram que a representação contra o deputado era sobre a existência de contas ocultas no exterior, não sobre pagamento de vantagens indevidas. Baiano disse desconhecer repasses a Cunha no exterior.

Afirmou ainda que nunca usou o termo “propina” com Cunha. “(Mas) Que é propina é. É vantagem indevida.”

 

‘Carnaval’. Cunha tentou desqualificar o depoimento de Baiano, ao dizer que não foi apresentada nenhuma prova contra ele e que o Conselho de Ética faz “carnaval” com o depoimento do lobista. Segundo o presidente da Câmara, a acusação de Baiano relativa aos R$ 4 milhões é um “fato mentiroso”, que já foi desmentido por ele por meio de sua a defesa. “Constrangedor é trazerem para cá algo que não tem nada a ver com a representação, visando me constranger, isso já faz parte do processo”, declarou Cunha. O peemedebista voltou a repetir que vai recorrer e acusou o colegiado de cometer erros propositais.

“Não tenha dúvida de que eu vou questionar, é óbvio que eu vou, eles fazem de propósito com essa finalidade, a decisão é muito clara.” Questionado sobre a petição entregue ontem pela organização Avaaz pedindo a sua cassação, com mais de 1,3 milhão de assinaturas, o presidente da Câmara citou a presidente Dilma Rousseff, de quem é desafeto. “Acho que tem mais (assinaturas) pela saída da presidente, acho que ela está com uns 5milhões.” Baiano foi a última testemunha de acusação ouvida no processo disciplinar. A fase de depoimentos e coleta de provas termina no dia 19. Depois, o deputado Marcos Rogério (DEM-RO) terá dez dias para entregar seu relatório final.

 

Depoimento

“O requerimento (de informações sobre contratos da Petrobrás na Comissão de Fiscalização da Câmara) foi, sim, uma forma de pressão, era uma dívida que se arrastava por três anos”

 

“Que é propina é. É vantagem indevida, é isso mesmo”

Fernando Baiano

LOBISTA, EM DEPOIMENTO NA CÂMARA

 

A ‘dívida’

US$ 10 mi Era o valor da ‘dívida’ do lobista Júlio Camargo, para a qual Baiano pediu ajuda de Eduardo Cunha. A ‘ajuda’ veio por meio de requerimentos de informações sobre contratos da Petrobrás