Título: Financiamento público exclusivo
Autor: Coimbra, Marcos
Fonte: Correio Braziliense, 12/10/2011, Política, p. 6

Nas próximas semanas, a discussão do anteprojeto de reforma política elaborado pela Comissão Especial da Câmara deverá entrar em sua etapa conclusiva. Muita gente aposta que nada (de importante) vai emergir do processo, mas as chances de que algumas mudanças de monta sejam aprovadas ainda existem.

Pela proposta do relator, deputado Henrique Fontana (PT-RS), as principais estão na forma de financiamento das campanhas e no sistema eleitoral. Aceitas, teríamos o que os especialistas chamam "financiamento público exclusivo" e um tipo misto de voto proporcional, combinando listas partidárias preordenadas e voto nominal.

Por dois motivos, há quem objete contra o modelo de financiamento sugerido: de um lado, ele contraria nossa tradição; de outro, é majoritariamente rejeitado pela população. Ambos são verdadeiros, pois nunca tivemos algo desse tipo e o povo repele a alteração.

Nossa legislação sempre foi omissa a respeito do financiamento do processo eleitoral. No Império e na República Velha, pela natureza do modelo político existente, a questão nem se colocava. Mais tarde, depois do fim do Estado Novo, por meio do Código Eleitoral de 1946, passamos a ver os partidos como uma associação qualquer, cuja personalidade jurídica é adquirida nos termos do Código Civil. Financiar-se era entendido como problema de cada um.

As coisas não mudaram com a redemocratização e assim permaneceram até 2006, quando o sistema político se sentiu no dever de dar uma resposta ao mensalão, criando alguns instrumentos de controle da arrecadação, das despesas e da prestação de contas das campanhas. Mas a adoção do financiamento público exclusivo não chegou a ser debatida a sério.

A opinião pública não tem simpatia pela ideia. Desde quando o tema entrou em pauta, as pesquisas apontam para uma reprovação da ordem de 80%. Uma (no máximo) em cada cinco pessoas apoia que recursos do orçamento sejam alocados aos partidos para custeio de suas despesas de campanha.

Uma das razões que fazem com a reprovação da ideia seja grande é o desconhecimento de como o sistema funciona. Muita gente não se dá conta, mas as campanhas no Brasil já são parcialmente financiadas com recursos públicos.

Na verdade, a principal despesa dos partidos nas eleições modernas, o custo de mídia, não é assumida por eles. É paga pelo conjunto da sociedade, que ressarce os meios de comunicação pelo tempo "cedido" a eles e aos candidatos. Em vez de ter de comprar espaço nas emissoras de rádio e televisão para veiculação de suas mensagens, recebem "de graça" o "horário do TSE (ou do TRE)".

Mas precisam se submeter a regras rígidas para usá-lo. Pode-se criticar a Justiça Eleitoral por muitos motivos, mas nunca por favorecer ou prejudicar uma candidatura, seja dando-lhe mais ou menos tempo do que teria direito pela lei, seja o obrigando a veicular ou deixar de veicular determinados conteúdos.

É também a sociedade que custeia o cotidiano dos partidos, por meio do Fundo Partidário, com o qual mantêm sua estrutura e funcionamento (incluindo despesas de pessoal e a boa vida de muitos dirigentes).

A importância dessas despesas pode ser vista comparando o custo de uma eleição em países onde provisões iguais às nossas não existem. Como a de Obama em 2008, a mais cara da história conhecida.

Obama arrecadou quase R$ 1,35 bilhão (abrindo mão de qualquer recurso público a que teria direito pela legislação americana). Gastou R$ 770 milhões em mídia (dos quais R$ 680 milhões apenas em TV), o que representou quase 60% de suas despesas. Teve, ainda, despesas administrativas de R$ 315 milhões, das quais muitas seriam, aqui, assumidas por seu partido e pagas com recursos do Fundo Partidário.

Em outras palavras, se fosse no Brasil, sua campanha contabilizaria um custo de menos de um terço do real. Teria gasto "apenas" R$ 400 milhões, nominalmente "sem recursos públicos".

Entre suas muitas vantagens, a proposta de financiamento público exclusivo acaba com ficções como essa. Deixa claro quem paga a conta.

Fazer funcionar a democracia custa dinheiro, mas é um investimento de amplo retorno para qualquer país. A sociedade brasileira já arca com uma boa proporção do que é gasto no processo eleitoral e ganharia se houvesse, sobre o restante, controles análogos aos que incidem sobre a parte que ela financia.