Correio braziliense, n. 19304, 02/04/2016. Política, p. 3
Ligação com Santo André
João Valadares
Eduardo Militão
O assassinato do ex-prefeito de Santo André Celso Daniel (PT) é uma das linhas de investigação do Ministério Público para saber qual o motivo de o empresário de transporte e de comunicação Ronan Maria Pinto ter recebido R$ 5,7 milhões do PT por meio de um empréstimo envolvendo o Banco Schahin, o pecuarista José Carlos Bumlai e a Petrobras. Em despacho, o juiz federal Sérgio Moro, à frente dos processos relativos à Operação Lava-Jato, afirmou existir a possibilidade de o homicídio guardar relação com a engrenagem criminosa que funcionava em Santo André. “É possível que este esquema criminoso tenha alguma relação com o homicídio, em janeiro”.
De acordo com depoimento do publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza, o empresário queria comprar — e assim fez — o jornal Diário do Grande ABC porque o impresso divulgava notícias vinculando-o à morte do prefeito. Ronan foi condenado por esquema de corrupção no sistema de transporte entre 1999 e 2001, quando Daniel era prefeito. No despacho, Moro salienta que “a palavra de Marcos Valério deva ser vista com muitas reservas”.
“Se confirmado o depoimento de Marcos Valério, de que os valores lhe foram destinados em extorsão de dirigentes do PT, a conduta é ainda mais grave, pois, além da ousadia na extorsão de, na época, autoridades da elevada administração pública, o fato contribuiu para a obstrução da Justiça e completa apuração dos crimes havidos no âmbito da Prefeitura de Santo André”, destaca Moro.
O publicitário foi condenado, como operador do mensalão, a 38 anos de cadeia. Ele continua preso. Em 2012, prestes a ser sentenciado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), prestou um depoimento na tentativa de fechar uma delação premiada e reduzir suas punições, mas a Procuradoria-Geral da República (PGR) não aceitou o acordo pretendido.
O Ministério Público evita tratar diretamente desse assunto, chamando-o de “meras conjecturas”, ao menos por enquanto. Mas o procurador Diogo Castor de Mattos disse que essa e outras hipóteses também estão em avaliação. “Os fatos ainda estão sendo investigados. Não podemos levantar hipóteses. O MPF pretende esperar as diligências para chegar a uma conclusão mais concreta. Não é possível afirmar nenhuma hipótese. Não há nada conclusivo”, afirma.
O juiz destaca a operação atípica de empréstimo no Banco Schain. “Chama a atenção o malabarismo financeiro para viabilizar a transação, tendo o valor transferido do Banco Schahin para Ronan Maria Pinto passado por três intermediários (José Carlos Bumlai, Bertin Ltda. e Remar Agenciamento)”, diz o juiz.
Por meio de nota, o Instituto Lula reagiu ao que chamou de ilações do juiz Sérgio Morto. “A reabertura de um caso encerrado em todas as instâncias judiciais, a partir de ilações sem fundamento, é mais uma arbitrariedade cometida pelo juiz Sergio Moro contra o ex-presidente Lula. Por agir assim, esse juiz já foi severamente advertido pelo Supremo Tribunal Federal, em decisão unânime na última quinta-feira. Ao perseverar nessa atitude de nítida perseguição política e pessoal, tentando envolver Lula em suas teorias de conspiração, o juiz Moro e a Força Tarefa afrontam a Suprema Corte, os direitos de Lula e de cada cidadão”.
Memória
Seis condenados
Celso Daniel foi assassinado em 18 janeiro de 2002. O prefeito de Santo André à época foi sequestrado quando saía de uma churrascaria acompanhado do empresário Sérgio Gomes da Silva, o Sombra. Antes de ser executado, o petista ficou em cativeiro na cidade de Juquitiba. O inquérito policial presidido pela Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa da Polícia Civil de São Paulo chegou à conclusão de que o assassinato não teve vinculação política. Teria sido, segundo a investigação, um crime comum. O alvo seria outra pessoa.
No dia do crime, o prefeito estava dentro de um Mitsubishi Pajero blindado, na companhia de Sombra. O carro teria sido perseguido por outros três veículos: um Santana, um Tempra e uma Blazer.
Na rua Antônio Bezerra, no bairro do Sacomã, Zona Sul da capital, os criminosos fecharam o veículo do prefeito. Tiros foram disparados contra os pneus e vidros. Os bandidos armados abriram a porta do carro, arrancaram o prefeito e o levaram embora. Sombra ficou no local e nada aconteceu com ele.
Na manhã de 20 de janeiro de 2002, um domingo, o corpo de Celso Daniel, com onze tiros, foi encontrado na Estrada das Cachoeiras, no Bairro do Carmo, na Rodovia Régis Bittencourt (BR-116), em Juquitiba .
Para o promotor de Justiça Roberto Wider Filho, trata-se de um crime sob encomenda para acobertar esquema de corrupção, tese sustentada pela família da vítima. A Justiça já condenou seis pessoas pelo assassinato. Falta o julgamento do Sombra, que é apontado pelos parentes da vítima como mandante. Na versão do Ministério Público Estadual, os seis acusados de praticar o crime foram contratados pelo empresário.