Correio braziliense, n. 19307, 05/04/2016. Economia, p. 7
Desesperado por uma agenda positiva, o governo voltou a pressionar a Petrobras, desta vez para reduzir os preços dos combustíveis nas bombas e, com isso, aliviar os índices de inflação. A tentativa caiu como uma bomba no conselho de administração da estatal, que não quer colocar a perder a única forma de reconstituir, ao menos um pouco, o combalido caixa da petroleira, assolado pela corrupção e pela ingerência política. A diretoria, no entanto, deixou claro que a política de preços é um assunto de gestão e, portanto, ela tem a palavra final. No meio dessa polêmica, estão os consumidores brasileiros, que atualmente pagam a gasolina mais cara do mundo.
No primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, quando o barril de petróleo superou os US$ 100 no mercado internacional, o governo não permitiu que a Petrobras aumentasse os preços nas bombas do país, segurando, assim, os índices de inflação. No período, segundo o diretor do Conselho Brasileiro de Infraestrutura (Cbie), Adriano Pires, a defasagem provocou um prejuízo de R$ 100 bilhões à estatal. Agora, depois de o valor do barril de petróleo ter caído abaixo de US$ 30 com excesso de oferta no mercado mundial, e hoje estar cotado em pouco menos de US$ 40, o governo tenta manipular os preços do mercado interno novamente para conquistar a simpatia dos consumidores.
Ontem, o preço no Brasil pelo litro da gasolina estava 18% mais caro do que no mercado internacional e o do diesel, 60% maior, explicou Pires. Se considerar a média mensal, os índices são de 26% e 51% respectivamente. Tal defasagem já foi capaz de recompor o caixa da empresa (veja no quadro ao lado), mas ainda não compensou todo o prejuízo provocado no passado.
“Eu fiquei surpreso com o anúncio, porque achei que o governo tinha desistido de usar a Petrobras para controlar a inflação. Essa redução só está sendo cogitada para melhorar a popularidade da presidente”, lamentou. Pires disse, ainda, que esperava que a relação do conselho de administração com a diretoria já estivesse mais madura. “Infelizmente, a polêmica, em que há conselheiro insatisfeito e diretor dizendo que quem decide é a diretoria, só prova que a bagunça na governança da Petrobras continua”, disse.
O conselho afirmou que a posição dos conselheiros da Petrobras é “afinada com o mercado”, ou seja, que a redução de preços abalaria a estratégia da companhia para reconquistar credibilidade. Após a polêmica, o presidente da companhia, Aldemir Bendine, encaminhou e-mail para os membros do conselho, afirmando: “Não houve qualquer decisão tomada no sentido de ajustar preços dos principais derivados”.
Na correspondência aos conselheiros, Bendine destacou que houve “debate” sobre o assunto, e que é dever da diretoria monitorar os custos e o comportamento do mercado. “São esses os fatores que norteiam nossa política de preços. Não há qualquer tipo de politização desse tema. Estamos todos aqui, diretores e conselheiros, com o objetivo de atender única e exclusivamente os interesses da Petrobras”, disse. Mas Bendine ressaltou a queda nas vendas da gasolina e do diesel no Brasil. “A retração do mercado consumidor causou o debate sobre a redução nos preços”, completou.
Oficialmente, a empresa enviou um comunicado: “A Petrobras informa que não há previsão, neste momento, de reajuste nos preços de comercialização de gasolina e diesel. Sobre o assunto, vale esclarecer que a companhia avalia permanentemente a competitividade de suas práticas e condições comerciais.”
Influência
Para o economista da DMBL Investimentos Demetrius Borel Lucindo, o grande problema da Petrobras é que ela nunca deixou de ter ingerência política. “A gasolina aqui hoje é muito cara. Mas a situação financeira da Petrobras é tão complicada que baixar o valor só iria piorar os problemas”, destacou. O especialista lembrou que o endividamento da companhia é alto, de R$ 492,8 bilhões, e o plano de negócios, muito ambicioso.
Na opinião do professor de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Adilson de Oliveira, o consumidor brasileiro está pagando pelo rombo do passado. “Mas também se beneficiou disso na época”, lembrou. Ele também ressaltou que, pelos números que se tem, o caixa da empresa melhorou bastante devido a essa diferença, mas não se recuperou do rombo. “Temos que deixar claro o que queremos. Se interessa que a Petrobras gere recursos suficientes para manter seus programas de investimento, não pode haver redução”, analisou.
Para Oliveira, um dos principais motivos de a economia brasileira estar parada é a paralisação dos investimentos da Petrobras, antes o carro-chefe da retomada do crescimento econômico. “Não nos interessa que ela se paralise. Além do mais, se os preços forem mantidos, não vão pressionar a inflação. Ela já está arrefecendo”, avaliou.
Queda no consumo
Em janeiro e fevereiro, as vendas caíram 11%, sendo que em 2015 a queda foi de 9%. Com isso, a BR Distribuidora, responsável pela venda dos combustíveis, vem perdendo dinheiro e participação no mercado. Em 2015, a subsidiária registrou prejuízo de R$ 1,2 bilhão ante lucro de R$ 2,1 bilhões em 2014. E a participação na venda de gasolina caiu de 28,5% para 27,7% e de 38,52% para 37,23% na venda de diesel no ano passado, segundo dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP).
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Ações caem quase 10%
Rosana Hessel
Incertezas em torno do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff e da recuperação da principal estatal do país, a Petrobras, agitaram o mercado ontem e levaram à queda da Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa) e à alta do dólar.
O presidente da Petrobras, Aldemir Bendini, confirmou por e-mail que houve “debate” sobre uma redução no preço dos combustíveis. Mesmo ressaltando que não há decisão ainda sobre esse assunto, investidores se assustaram. As ações da estatal puxaram a queda do principal índice da bolsa: o Ibovespa recuou 3,52%, fechando a 48.780 pontos. O dólar fechou em alta de 1,43%, cotado a R$ 3,614 para a venda.
Os papéis preferenciais (sem direito a voto) da Petrobras foram os que mais desvalorizaram. O tombo foi de 9,45%, na comparação com o fechamento de sexta-feira. As ações ordinárias (com direito a voto) da companhia encolheram 8,83%.
“A redução no preço da gasolina afetaria negativamente a Petrobras. A diferença entre os preços interno e externo vem ajudando a companhia a recompor o caixa depois das perdas com o congelamento dos últimos anos”, avaliou Newton Rosa, economista-chefe da Sul América Seguros.
Rosa destacou que o movimento de saída dos investidores estrangeiros da bolsa está aumentando. “Eles estão na ponta vendedora das ações. Os preços do petróleo estão em queda com o aumento da oferta com as exportações do Irã”, explicou.
Eduardo Velho, economista-chefe e sócio da INVX Global Partners, lembrou ainda que os dados da economia global também vêm ajudando a derrubar as bolsas internacionais, além dos preços do petróleo. “Há deflação elevada na Europa, que ainda está fragilizada. Falta demanda no mundo”, explicou. Os Índice Dow Jones e a S&P 500, da Bolsa de Valores de Nova York, recuaram 1,10% e 1,42%, respectivamente.
Congresso
A resistência de partidos da base aliada em retirar o apoio ao governo, seguindo a decisão do PMDB na semana passada, contribuiu para piorar o humor dos mercados, que acabou afetando os juros futuros, que voltaram a subir. “O clima deu uma esfriada porque se percebeu que a oposição tem menos votos a favor do afastamento do que vinha divulgando”, avaliou o economista João Silva Junior, da ICAP Brasil.
Para o economista, essa queda dos preços dos ativos na BM&FBovespa não significa pessimismo em relação ao impeachment. “Os investidores também aproveitaram o momento para realizar os ganhos dos últimos dias”, destacou.
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Expectativa do consumidor
Hamilton Ferrari
Nos postos do Distrito Federal, ainda não há sinal de queda significativa nos preços. Mas a expectativa é grande. O litro da gasolina variava ontem entre R$ 3,82 e R$ 3,97, o do álcool, entre R$ 3,29 e R$ 3,50, e o do diesel, entre R$ 3,10 e R$ 3,34. Apesar de uma leve redução diante dos preços recentes, o que é atribuído às investigações do cartel de combustíveis, os valores ainda são mais altos do que nas principais cidades do país.
A professora Zeila Morais, 34 anos, moradora do Noroeste, já chega ao posto insatisfeita. “Eu coloco só R$ 80, porque dá a impressão que eu não gasto tudo de uma vez. Mas no fim não rende quase nada”, contou. Além de abastecer o próprio veículo, Zeila paga o combustível do carro do filho e protesta quanto ao peso desse item no orçamento familiar. “Toda semana eu gasto R$ 160”, lamentou.
Na tentativa de melhorar suas contas, a Petrobras implantou um novo Programa de Incentivo ao Desligamento Voluntário (PIDV), além do corte de 43% em 5,3 mil cargos de nível de gerência. Com o PIDV, a estatal pretende economizar R$ 33 bilhões até 2020. Dos 57 mil funcionários, 12 mil estão aptos a se aposentar.
Para o analista de investimentos da DMBL Demetrius Borel Lucindo, contudo, não adianta incentivar a demissão dos empregados concursados. “O problema da Petrobras está no loteamento de cargos de confiança, que são indicações políticas”, apontou.
Para o professor de economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Adilson de Oliveira, o PIDV é mais uma forma de “gerar boas notícias a qualquer preço”, assim como a discussão sobre redução no preço das bombas. “A pior coisa que pode ocorrer é desorganizar toda a gestão da empresa, reduzindo gasto com pessoal para aumentar outros custos, com medidas de impacto no curto prazo”, afirmou.
O especialista alertou que há um programa de desinvestimentos em curso e deveriam haver estudos detalhados sobre quais os ativos podem provocar a aposentadoria de colaboradores e em quais essa medida não é viável. “Mas nada disso foi feito. Pelo menos nada se tornou público”, assinalou.