Correio braziliense, n. 19310, 08/04/2016. Política, p. 2

Delação complica a situação de Dilma

Paulo de Tarso Lyra

Julia Chaib

Naira Trindade

A delação premiada do ex-presidente da Andrade Gutierrez Otávio Marques de Azevedo, dizendo que ao menos R$ 10 milhões doados legalmente pela construtura à campanha de Dilma Rousseff em 2014 são frutos das propinas pagas por obras superfaturadas, tornou mais concreto o risco de que a crise política não se encerre após a votação do impeachment na Câmara, daqui a 10 dias. “O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) vai investigar a chapa Dilma-Michel Temer, independentemente do que decidirem deputados e senadores”, resumiu um cacique político.

O governo tenta fazer o jogo diversionista de que “serão jogadas bombas daqui até o dia da votação do impeachment” para tentar manter a calma. Mas é óbvio que a delação da Andrade Gutierrez, homologada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki, joga mais óleo na pista em um momento em que o Planalto garante ter os votos necessários para evitar o afastamento de Dilma na Câmara. Os cálculos mais otimistas falam em 214 apoios pró-governo. A oposição precisa de 342 votos dos 513 deputados para afastar Dilma do cargo.

Um articulador petista admitiu que, pela primeira vez, “os investigadores da Lava-Jato conseguiram o que sempre sonharam”: mostrar como uma doação legal pode ser originada de pagamento de propina, para mascarar os crimes de caixa dois praticados durante o escândalo do mensalão.

Neste novo cenário, não é apenas o mandato de Dilma que fica em risco, mas também o de Michel Temer.  Por enquanto, apesar da exigência do ministro Marco Aurélio de Mello de mandar prosseguir o pedido de impeachment do vice, apenas a presidente está sendo julgada pelo Congresso. O processo relativo às contas presidenciais de 2014 — que poderia levar à cassação da chapa e a convocação de novas eleições presidenciais — está parado no TSE.

 

Defesa

O coordenador jurídico da campanha presidencial de Dilma e Temer, Flávio Caetano, divulgou nota ontem alegando que “toda a arrecadação da campanha da presidente de 2014 foi feita de acordo com a legislação eleitoral em vigor. Jamais a campanha impôs exigências ou fixou valores. Aliás, a empresa (no caso, a Andrade Gutierrez) fez doações legais e voluntárias para a campanha de 2014 em valores inferiores à quantia doada ao candidato adversário (Aécio Neves)”.

A nota da coordenação jurídica também afirma que, em “nenhum momento, nos diálogos mantidos com o tesoureiro da campanha (atual ministro da Secretaria de Comunicação Social, Edinho Silva) sobre doações eleitorais, o representante da Andrade Gutierrez mencionou obras ou contratos da referida empresa com o governo federal”.

A delação também pode aumentar ainda mais o abismo político que separa Dilma de Michel Temer. Aliados do peemedebista admitem que as palavras de Otávio Azevedo poderão ser usadas no trabalho de convencimento de deputados e senadores que forem refratários ao impeachment. “Vamos mostrar para eles que não vale a pena ‘dar a cara a tapa’, se indispor com o eleitorado, para salvar uma presidente que será julgada depois pelo TSE”, explicou um cacique do PMDB.

Eles pretendem tocar até mesmo no ponto central das negociações conduzidas até o momento pelo Planalto: a distribuição dos cargos. “Se o TSE cassar a chapa, derrubando o governo inteiro e uma nova eleição for convocada hoje, o Planalto vai cair no colo de Marina Silva”, disse um articulador de Temer.

De qualquer forma, dois caminhos são pensados no pós-votação do impeachment de Dilma. Se a petista for cassada pelo Congresso, o PMDB vai defender que o crime eleitoral foi cometido pela titular, não por ele. Se ela sobreviver ao escrutínio dos congressistas, Temer dirá que tinha um comitê de arrecadação próprio e que as contas deles devem ser analisadas de maneira separada.

“Desculpe, mas isso não existe. O Brasil não elege vice. Qualquer dinheiro para Dilma beneficiava a chapa, incluindo Temer. E qualquer dinheiro que ele tenha recebido foi para a campanha presidencial. Ou não?”, provocou um petista que acompanhará o julgamento no TSE.

Existe também a argumentação jurídica de que Dilma e Temer não seriam responsáveis automaticamente, caso fosse descoberta alguma irregularidade nas doações. A tese é de que, se a doação vem de uma empresa legalmente constituída e autorizada a tal, e o valor estiver dentro dos limites previstos na lei, ela é legal.  “Quem deve assumir qualquer responsabilidade sobre outros assuntos são os tesoureiros. Não, necessariamente, os candidatos”, disse um especialista em legislação eleitoral.

 

Frase

“Toda a arrecadação da campanha da presidente de 2014 foi feita de acordo com a legislação eleitoral em vigor. Jamais a campanha impôs exigências ou fixou valores”

Flávio Caetano, coordenador jurídico da campanha presidencial de Dilma e Temer

 

 

Cada vez mais perto

A delação premiada dos executivos da Andrade Gutierrez trouxe acusações que atingem a campanha da reeleição da presidente Dilma Rousseff, em 2014. Onze executivos da empresa assinaram o acordo, segundo a Folha de S.Paulo. A empreiteira fechou também acordo de leniência — espécie de delação premiada para empresas —, em que concordou em pagar R$ 1 bilhão em multas, conforme mostrou o Correio em novembro do ano passado. Confira elementos dos depoimentos e de outros no âmbito da Lava-Jato que aproximam o esquema de pagamentos de propinas da campanha da presidente Dilma Rousseff.

 

Andrade Gutierrez

»  A delação apontou que as obras na Usina Hidrelétrica de Belo Monte envolveram o pagamento de propina no valor de cerca de R$ 150 milhões, equivalente a 1%. O dinheiro teria sido repassado ao PT e ao PMDB. A Andrade Gutierrez faz parte de um consórcio de 10 empresas que atuaram na construção da usina, entre elas, Camargo Corrêa, OAS, Queiroz Galvão e Odebrecht.

»  O dinheiro de propina obtido com as obras na Usina de Belo Monte, e outras construções na Petrobras e no setor elétrico, teriam se convertido em doações legais à campanha da presidente Dilma Rousseff e aliados nas eleições de 2010 e 2014, segundo relato do ex-presidente da Andrade Gutierrez Otávio Marques de Azevedo. É o primeiro depoimento que relaciona diretamente o recebimento de propina com doações legais à campanha de reeleição da presidente.

»  Na eleição presidencial de 2014, a empresa doou R$ 20 milhões para a campanha de Dilma. Na delação, os executivos teriam apresentado uma lista em que relacionam o quanto foi doado com os valores recebidos em propina. Segundo a denúncia, metade do valor, R$ 10 milhões, estaria relacionado à participação da empresa em obras públicas.

»  Além de Belo Monte e de construções da Petrobras, teriam envolvido pagamento de propina as obras de estádios da Copa do Mundo, como o Estádio Nacional de Brasília Mané Garrincha, a Arena Amazônia (Manaus) e o Maracanã (Rio de Janeiro).

»  No depoimento, os executivos ainda detalham a atuação de Adhemar Palocci Filho, irmão do ex-ministro Antonio Palocci, que teria sido um dos responsáveis pelo recebimento de propina. O ex-ministro Delfim Netto também teria recebido R$ 15 milhões, no fim das negociações das construções de Belo Monte, em 2010, segundo a Folha de S.Paulo, por auxiliar na escolha dos consórcios.

»  Otávio Azevedo cita também na delação o diretor de Geração da Eletrobras, Valter Cardeal. Ele foi indicação da presidente Dilma Rousseff, e presidiu a estatal, interinamente, de 2007 a 2008. Além de Belo Monte, houve superfaturamento de contratos também da usina nuclear Angra 3, conforme relataram os executivos. Cardeal está licenciado desde que seu nome foi citado em outras delações, como a de Pessoa.

 

UTC Engenharia

»  Dono da UTC, Ricardo Pessoa declarou à Justiça Federal que Renato Duque, então diretor de Serviços da Petrobras, pediu a ele contribuições políticas para o PT. Ele afirmou ter feito depósitos oficiais em contas do partido, tudo com dinheiro de propina. O acerto era feito com o então tesoureiro do partido, João Vaccari Neto. Pessoa disse ainda ter abastecido a campanha de 18 políticos com R$ 62 milhões desviados da Petrobras.

»  O empreiteiro ainda acusou o ministro da Secretaria de Comunicação, Edinho Silva, de tê-lo pressionado a fazer doações de R$ 7,5 milhões com dinheiro de propina do esquema da Petrobras, em 2014. Na ocasião, Edinho era tesoureiro da campanha presidencial do segundo mandato da presidente Dilma. O delator também aponta ter abastecido com dinheiro sujo do esquema a campanha do ministro da Educação, Aloizio Mercadante, a governador de São Paulo em 2010.

 

Toyo Setal

»  O mecanismo de lavar dinheiro desviado da Petrobras em doações de campanha petistas foi revelado ainda em março de 2015 por Augusto Mendonça, do grupo Toyo Setal. O empreiteiro entregou à Justiça Federal os recibos de doações partidárias e eleitorais feitas por suas empresas para o PT entre 2008 e 2012. O esquema era uma maneira de ocultar o dinheiro de propina desviado da Petrobras.

»  No material, estavam quatro recibos emitidos pelo PT de doações para o diretório nacional no valor de R$ 500 mil, em 2010. O valor repassado em 7 de abril, quando era dada a largada para a campanha da presidente Dilma Rousseff, foi o mais alto doado dentro de uma lista de 24 repasses partidários e de campanha listados pelo delator. São quatro recibos, com números sequenciais, datados de 7 de abril de daquele ano. Três com valores de R$ 150 mil e um de R$ 50 mil. O então tesoureiro petista, João Vaccari Neto, e o ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque teriam sido as peças centrais da operação fraudulenta, que transformava recursos ilegais em legais dentro do sistema oficial de repasses para partidos e campanhas.

 

Camargo Corrêa

»  O vice-presidente da construtora Camargo Corrêa, Eduardo Leite, declarou à força tarefa da Operação Lava-Jato, em 2015, que o então tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, o procurou “por volta de 2010” e pediu R$ 10 milhões. O relato de Eduardo Leite foi tomado no âmbito da delação premiada que ele firmou com os procuradores da República e os delegados da Polícia Federal que conduzem a investigação sobre fraudes na Petrobras.

 

»  O executivo da empreiteira afirmou ainda que, naquele ano, Vaccari lhe disse que “tinha conhecimento, por meio da Área de Serviços da Petrobras, que a Camargo Corrêa estava atrasada no pagamento das propinas relativas a contratos com a estatal”.