Correio braziliense, n. 19310, 08/04/2016. Política, p. 3

Presidente critica vazamento "direcionado"

Paulo de Tarso Lyra

Julia Chaib

Naira Trindade

Às vésperas da votação do processo de impeachment na comissão especial da Câmara, a presidente Dilma Rousseff usou cerimônia de mulheres que apoiam o governo, no Palácio do Planalto, para criticar o vazamento “premeditado e direcionado” de informações da delação premiada de executivos da Andrade Gutierrez e afirmou que a finalidade é criar um “ambiente propício ao golpe”. Ex-presidente da segunda maior empreiteira do país, Otávio Marques de Azevedo revelou que Dilma recebeu “propina” na campanha presidencial de 2014.

Intitulando-se indignada, a presidente fez um discurso duro contra a divulgação de investigações que estão no âmbito da Polícia Federal e da Justiça. Antes, porém, no calor da cerimônia, uma manifestante foi expulsa ao estampar no peito uma camiseta com a mensagem “impeachment e democracia”. “Na trama golpista, eu gostaria de destacar o uso de vazamentos seletivos. A Constituição, que garante a privacidade, mas, sobretudo, a legislação vigente proíbe vazamentos que hoje, na verdade, constituem vazamentos premeditados, vazamentos direcionados, com o claro objetivo de criar ambiente propício ao golpe”, criticou a presidente.

“Vazar porque não é necessário provar, basta noticiar, basta acusar, basta usar de testemunhos falsos; basta, repito, vazar. Nada disso é problema porque sempre se aposta na impunidade. Isso não transforma o Brasil em um país que respeita instituições, respeita a liberdade de informação, nem tampouco respeita a democracia”, enfatizou Dilma. A presidente fez questão de “alertar” para “novos vazamentos oportunistas e seletivos” que devem aparecer nos próximos dias.

“Eu determinei ao senhor ministro da Justiça (Eugênio Aragão) a rigorosa apuração de responsabilidades por vazamento recentes, bem como tomar todas as medidas judiciais cabíveis. Passou de todos os limites a seleção clara de vazamentos em nosso país”, indignou-se. A petista chegou a embargar a voz ao discursar lembrando que querem derrubá-la. “Submeter-me ao impeachment ou exigir minha renúncia, ou tentar quaisquer expedientes que comprometam o mandato que me foi conferido é um golpe de estado sim. Um golpe dissimulado, com um pretenso verniz de legalidade, mas um golpe. Pura e simplesmente isso, um golpe”, frisou.

Diante de cerca de 400 mulheres, Dilma ainda reclamou de machismo em relação às críticas ao governo dela e questionou a publicação de uma revista que apontou seu comportamento. “Com o propósito de me ofender como presidenta justamente por ser mulher. É um texto muito baixo, que reproduz um tipo perverso de misoginia, para dizer que, quando uma mulher está sob pressão, costuma perder o controle. Ninguém nunca pergunta a um homem: ‘você está sob pressão?’, ‘você está nervoso?’ Não perguntam. E é interessante sinalizar…”, afirmou, recebendo aplausos do público presente ao Planalto. “É um desconhecimento da capacidade da mulher resistir à pressão, às dificuldades, às dores e enfrentar os desafios”.

Dilma aproveitou para pedir o fim das pautas bombas no Congresso. “Desde que assumi o segundo mandato, desde a primeira hora, busco, busquei e buscarei consensos capazes de nos fazer superar toda e qualquer crise. Mas o entendimento, ou o pacto, têm como ponto de partida algumas condições: primeira condição — e todas as demais têm peso similar — é respeito ao voto; o fim das ‘pautas bombas’ no Congresso, que não contribuem para o país; unidade pela aprovação de reformas; a retomada do crescimento econômico; a preservação de todos os direitos conquistados pelos trabalhadores e pelo povo brasileiro; e a necessária, imprescindível e urgente reforma política.”

 

Sem lastro

Em defesa do governo, o ministro da Secretaria de Comunicação Social, Edinho Silva, chamou de peça de ficção as informações prestadas pelos executivos da Andrade Gutierrez no acordo de colaboração. “Se de fato o conteúdo divulgado pela imprensa existe, não tem lastro na verdade. Jamais participei de qualquer diálogo com presidente da referida empresa onde tivesse sido mencionado palavra propina”, afirmou Edinho, que era tesoureiro da campanha da presidente Dilma nas eleições de 2014.

“Estranha muito que uma delação seletiva seja vazada num momento em que a Câmara dos Deputados está à véspera de uma decisão importante de um pedido que, no nosso entender, se caracteriza como um golpe”, concluiu o ministro.

 

Frase

 

“Vazar porque não é necessário provar, basta noticiar, basta acusar, basta usar de testemunhos falsos; basta, repito, vazar. Nada disso é problema porque sempre se aposta na impunidade”

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Propina para PT e PMDB

A delação premiada dos executivos da empreiteira Andrade Gutierrez aponta pagamento de cerca de R$ 150 milhões em propina na obra da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. O valor seria referente a um acerto de 1% sobre contratos. O dinheiro teria como destino o PT e o PMDB e agentes públicos ligados a esses dois partidos.

Entre os depoimentos homologados pelo ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal, estão as colaborações do ex-presidente da empresa Otávio Azevedo e do ex-executivo Flávio Barra. O teor da delação da empreiteira atinge as campanhas eleitorais da presidente Dilma Rousseff, que enfrenta um pedido de impeachment em trâmite no Congresso e ao menos quatro ações no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pela cassação de seu mandato.

No total, 11 executivos que atuaram na empresa, a segunda maior empreiteira do Brasil, participaram de depoimentos em colaboração com a Justiça, segundo fontes com acesso ao caso. Os nomes de funcionários foram apontados pelo próprio ex-presidente Otávio Azevedo.

A Andrade Gutierrez é um dos alvos da Operação Lava-Jato, que investiga há dois anos esquema de corrupção na Petrobras. Nos depoimentos, os executivos relataram que a empreiteira realizou pagamentos diretos a uma empresa contratada pela campanha eleitoral de Dilma Rousseff, em 2010.

O esquema delatado teria sido estruturado com ajuda dos ex-ministros da Casa Civil Antonio Palocci, em 2010, e Erenice Guerra, em 2014. O PMDB, partido do vice-presidente Michel Temer, também teria recebido doações legalmente registradas com dinheiro de propina. Flávio Barra confirmou os repasses de dinheiro em depoimento à Procuradoria-Geral da República. Azevedo e Barra chegaram a ser presos pela Lava-Jato, mas estão em liberdade.

 

Indícios

Antes de homologar as delações, um juiz auxiliar do ministro Teori Zavascki ouviu os executivos para confirmar a legalidade do acordo. A partir de agora, a Procuradoria-Geral da República pode pedir a abertura de inquéritos ou oferecer denúncias com base nos indícios apontados pelos delatores da empreiteira.

 

Os advogados da empresa disseram que ainda não foram informados oficialmente sobre a homologação das delações.