O ajuste que vem do câmbio

16/04/2016

O forte ajuste do dólar nas últimas semanas — quando saiu de um patamar de R$ 4 no fim de fevereiro para cerca de R$ 3,50 atualmente — deve amenizar a pressão sobre a inflação, aliviar a situação das empresas com dívidas na moeda americana e ainda dar um refresco para as contas públicas. E, apesar do recuo expressivo, a cotação atual ainda é favorável para o aumento das exportações em um momento de recessão.

Embora o cenário político tenha sido determinante para a mudança de patamar do câmbio e o afastamento da presidente Dilma Rousseff seja dado como certo pelo mercado financeiro, é baixa a expectativa de um novo tombo na cotação. Na próxima semana, o mercado deve ter forte volatilidade, reagindo à decisão da Câmara dos Deputados, que dirá no domingo se aceita ou não a abertura do processo de impeachment. O avanço do rito pode reduzir ainda mais a cotação, para algo em torno de R$ 3,30, preveem operadores do mercado. Porém, essa desvalorização seria de curto prazo na avaliação deles. Por outro lado, mesmo que o afastamento da presidente não se confirme, os analistas não acreditam que o dólar voltará a subir com força.

— O dólar não deve mais voltar para acima de R$ 4. Esse patamar ocorreu em outro momento externo. De janeiro para cá, houve uma mudança no discurso sobre a política monetária americana. Mesmo com condições piores no Brasil, e com uma eventual não aprovação do impeachment, não há espaço para essa alta — avalia Bernard Gonin, da Rio Gestão Investimentos.

FRAGILIDADE FISCAL IMPEDE QUEDA MAIOR NA COTAÇÃO

Se o cenário externo impede uma disparada da moeda, a situação fiscal brasileira proíbe queda mais forte no dólar, qualquer que seja o governo.

— Parece difícil cair muito mais. Vamos enfrentar um enfraquecimento dessa euforia (em relação ao impeachment). Há uma questão fiscal importante que só se resolve com reformas e com uma redução das despesas públicas, isso independente do governo. Essa solução não é rápida — afirma Jankiel Santos, economista-chefe do banco Haitong, ressaltando que uma euforia de curto prazo pode derrubar a cotação para baixo de R$ 3,40, porém num movimento que não se sustenta.

Ontem, o dólar comercial fechou em alta de 1,43%, a R$ 3,526 para venda. Nas casas de câmbio do Rio, o dólar turismo encerrou ontem entre entre R$ 3,64 e R$ 3,78 para compra em espécie, já incluindo o IOF.

— Nesse patamar o dólar tira a pressão sobre a inflação e beneficia as exportações. É um nível adequado para o momento. Mas, para a inflação cair mais, apenas com uma melhoria nas contas públicas — afirma Luciano Rostagno, estrategista do Mizuho Bank.

Um dólar mais baixo também ajuda a reduzir a dívida pública federal, aponta Fábio Klein, especialista em contas públicas da Tendências Consultoria Integrada, que estima a moeda cotada a R$ 3,72 ao final de 2016. Ele lembra que o câmbio pode ajudar na redução da inflação e, consequentemente, antecipar um corte nos juros pelo Banco Central.

— Inflação e juros são os principais indexadores da dívida. Como o câmbio afeta essas duas variáveis, acaba influenciando indiretamente a dívida pública. Em termos de custo da dívida, ele é menos importante, pois apenas 5% dos títulos da dívida pública estão anexados ao câmbio. Mas tem também a economia pela menor despesa com juros via swap cambial (venda de dólares no mercado futuro), já que, com o real valorizado, o governo tende a usar menos essa ferramenta de intervenção no câmbio.

No ano passado, as despesas do governo com pagamento de juros, que ficaram em R$ 367,67 bilhões — o maior valor da série histórica, iniciada em 2004 — foram determinantes para o crescimento também recorde da dívida pública federal: a alta foi de 21,7%, para R$ 2,79 trilhões.

Os economistas são unânimes em afirmar, porém, que um ajuste fiscal é imprescindível para melhorar a situação das contas públicas.

— O governo precisa conseguir um acordo para aprovar as medidas do ajuste fiscal. Isso é o que mais importa hoje. Quando o mercado tiver a percepção de que ocorrerá o ajuste, ficará estável. Na medida em que o dólar responde, ele ajuda a inflação cair e facilita a compra de bens de capitais importados pela indústria, estimulando o investimento. E vai continuar ajudando as exportações, sem tirar competitividade da indústria nacional — afirma Margarida Gutierrez, da UFRJ.

Paulo Levy, economista do Ipea, também acredita que o dólar ficará abaixo de R$ 4:

— Não sei para onde ele vai, mas ficará menor do que R$ 4 e não vai se desvalorizar muito mais do que ocorreu até agora, contribuindo para retomar uma trajetória de desaceleração da inflação e permitindo que a queda dos juros ocorra mais rapidamente do que as perspectivas atuais (de uma Selic de 13,75% ao fim do ano frente aos atuais 14,25%).

 

O globo, n. 30216, 16/04/2016. Economia, p. 23