Título: Gregos em desespero
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Fonte: Correio Braziliense, 12/10/2011, Economia, p. 13

Desemprego, aumento de 20% no uso de drogas e de até 40% nos suicídios é a face dolorosa do colapso da Grécia

Em sua história milenar, a nação que ensinou o mundo o sentido da democracia e tanto contribuiu para a história da humanidade, com influência nos campos da filosofia, das ciências exatas, da arquitetura e do teatro, entre outros, já experimentou muitos ciclos de glória e de empobrecimento. Foi assim no longínquo ano de 404 antes de Cristo, quando a Grécia saiu devastada da Guerra do Pelonoponeso, entre Atenas e Esparta, e, mais recentemente, após a Segunda Guerra Mundial. Agora, os gregos estão novamente ficando pobres, mas por má gestão de seus governantes. Por trás dos números, a crise que ameaça lançar o país no abismo tem contornos dramáticos, que se revelam no desemprego, no crescimento do uso de drogas e no aumento do número de suicídios entre a população.

As estatísticas indicam dívida do governo de quase 200% do Produto Interno Bruto (PIB), desemprego recorde de 16%, em alta, e retração do PIB de 7% nos últimos 12 meses. Esses são os dados que estão na mesa dos economistas e dos líderes europeus empenhados em encontrar uma solução para a crise. Para o povo grego, eles se traduzem na impossibilidade de as pessoas sem trabalho ou que estão perdendo suas ocupações comprarem bens necessários à sobrevivência e de tratarem da saúde, por causa do corte de recursos públicos nos orçamentos hospitalares. Sem crédito e sem consumidores, empresas estão quebrando. Mais crimes estão sendo cometidos.

O desespero toma conta de parte da população. Empresários ¿ pequenos, médios e Em Atenas, trabalhadores acusam os ministros: "Despeçam-nos agora; eles levaram a nação ao desastre"

grandes ¿ e pais de família desempregados estão dando cabo da própria vida. O número de suicídios aumentou entre 25% e 40% desde 2008. Organizações de saúde estimam que a quantidade é maior, pois a Igreja Ortodoxa Grega proíbe o funeral de suicidas e muitas dessas mortes são registradas como acidentes.

O consumo de drogas no país cresceu 20% no último biênio, principalmente entre os jovens de até 25 anos, faixa em que a desocupação já atinge quase a metade da população. A taxa de infecção por HIV, em alta desde 2007, deve subir 52% neste ano. O pesquisador e sociólogo David Stuckler, da Universidade de Cambridge (Inglaterra), que levantou os dados, cita relatos de usuários de drogas que estariam se infectando deliberadamente com o vírus para receber o benefício mensal de 700 euros (cerca de R$ 1.700) pago pelo governo.

Sufoco O grupo grego de assistência a vítimas depressivas Klimaka informa que tem registrado nos últimos meses até 100 chamadas por dia, quando a média era de quatro a dez. Quem está recorrendo ao serviço atualmente é homem, com idade entre 35 e 60 anos e atolado em dívidas. Antes, a maior parte das chamadas era de adolescentes e de idosos que enfrentavam doenças graves.

Uma explicação para tantos suicídios, segundo os especialistas, está no passado de luta na época de Atenas e Esparta e de resistência a invasões estrangeiras, que consolidou o ideal da força masculina grega. Nos núcleos familiares, o homem é o chefe e provedor. Não poder cumprir o papel que lhes cabe é motivo para muitos não quererem viver mais.

O ajuste fiscal pretendido pelo governo grego vai sufocar ainda mais a população, pois pretende cobrar mais impostos e reduzir os salários. Pelo menos 30 mil servidores públicos serão demitidos neste ano e mais 120 mil até 2013. "A população vai pagar alto", diz a professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro Margarida Gutierrez. Segundo ela, algum ajuste precisa ser feito, mas não pode ser tão forte a ponto de estrangular a economia e a população.