Correio braziliense, n. 19309, 07/04/2016. Política, p. 4

Juristas com visões opostas

Hédio Ferreira Junior

As incertezas do momento político e o racha das ruas quanto ao processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff vão além do Congresso e se refletem também no meio jurídico. Quando se trata do parecer pela admissibilidade da ação, juristas não se entendem e discordam sobre as brechas de judicialização deixadas no texto do relator Jovair Arantes (PTB-GO) — apresentado ontem na comissão especial da Câmara dos Deputados. Especialistas ouvidos pelo Correio defendem as duas teses — a de que pode ou não — se recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o teor político do relatório.

O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Carlos Veloso rechaça qualquer possibilidade de questionamento do parecer de Arantes no Judiciário: por se tratar de uma peça jurídico-política, e de competência do Legislativo julgá-la, os ministros do Supremo extrapolariam as competências, a não ser que as discordâncias apontadas fosse pelo cumprimento do rito ou sobre o direito de defesa da presidente, por exemplo.

“Não há (brechas no teor do relatório). O que pode ser judicializado é o descumprimento de uma forma. O mérito de decisão do parecer é de competência da Câmara, num primeiro momento, e do Senado, em seguida. O contrário colocaria em risco de se transformar o Poder Legislativo em uma repartição do Poder Judiciário”, avalia o magistrado.

Mesma linha de defesa segue a advogada Magda Brossard Iolovitch. Filha do ex-ministro do Supremo Paulo Brossard, falecido em 2015, a especialista em direito público e procuradora aposentada do estado do Rio Grande do Sul conta que cresceu ouvindo o pai tratar do assunto quando impeachment “ainda era algo impensado no Brasil”. De acordo com ela, o impedimento de um presidente da República é um processo que se passa no Legislativo, a quem cabe decidir sobre a admissibilidade e a aprovação.

Paulo Brossard estudou processos de impeachment ao longo da história de outros países e escreveu artigos sobre o tema também no Brasil. Magda cita as competências do Senado e do Supremo previstas na Constituição, e ressalta que só ao primeiro cabe processar e julgar o presidente da República, o vice, ministros e comandantes das Forças Armadas. “Ao STF caberia apenas o julgamento de questões ordinárias”, completa.

 

Constituição

Do consenso entre os dois juristas não comunga o doutor em direito constitucional e professor da UnB Alexandre Bernardino. Ele atenta que os argumentos apresentados no relatório da comissão especial — que dão sustentação ao pedido de impeachment da presidente — não dizem respeito à análise jurídica da ação, o que dá espaço para que haja a judicialização do relatório. “Ainda que seja um processo jurídico-político, a condenação por crime de responsabilidade só pode ser suportada com argumentos políticos. Em última instância, a palavra, quando se trata do direito, é da Constituição”, argumenta o especialista.

Professora de direito constitucional da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Mackenzie, Mônica Herman Caggiano também acredita que, apesar do preâmbulo político da ação, as questões jurídicas foram deixadas ao largo por Jovair Arantes como se não tivessem importância. Para ela, há um ponto frágil no texto que se repete a todo momento e que desmontaria a argumentação do relator: o uso da palavra “indícios”, quando se refere aos crimes cometidos pela presidente Dilma Rousseff.

Mônica encontra outra brecha para questionamento jurídico do relatório: a inclusão de atos praticados no primeiro mandato do atual governo, quando deveriam se ater apenas aos questionamentos de 2015. “A natureza é política, mas o procedimento é jurídico e tem que atender às garantias processuais, como a ampla defesa e o contraditório”, defende.

 

Frase

“A natureza é política, mas o procedimento é jurídico e tem que atender às garantias processuais, como a ampla defesa e o contraditório”

 

Mônica Herman Caggiano, professora de direito constitucional