Correio braziliense, n. 19319, 17/04/2016. Política, p. 2

A hora de mostrar a força no plenário

Paulo de Tarso Lyra

Vinte e quatro anos depois, o Brasil acorda hoje diante do desafio de encarar mais um processo de impeachment de presidente da República. Em 1992, quando o mais recente período democrático brasileiro tinha apenas sete anos, Fernando Collor foi afastado da Presidência após votações na Câmara e no Senado. De lá para cá, o país conseguiu a estabilidade econômica com o Plano Real de Fernando Henrique e promoveu avanços sociais no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Neste domingo, 17 de abril, os deputados terão de decidir pela continuidade ou não do processo de cassação do mandato de Dilma Rousseff.

Em seu segundo mandato, Dilma Rousseff já fora reeleita na disputa mais apertada em segundo turno desde a volta das eleições diretas para presidente, em 1989. Desde que tomou posse, em 1º de janeiro de 2015, enfrentou questionamentos da oposição por conta das investigações da Operação Lava-Jato, que destrincha denúncias de corrupção na Petrobras. Também é cobrada pela base social e pelo PT, que reclamam da pauta de ajuste fiscal que, segundo a militância, tira direito dos trabalhadores.

Ela também é criticada por trabalhadores e empresários pela mais severa recessão econômica das últimas décadas. A previsão do Fundo Monetário Internacional (FMI) é de que o Produto Interno Bruto (PIB) do país encolha quase 4% em 2016, colocando o país entre nações como Equador e Azerbaijão no quesito encolhimento da economia. Mas Dilma está sendo julgada por ter editado decretos orçamentários sem previsão de recursos em caixa e por atrasar repasses de verbas para os bancos públicos — as chamadas pedaladas fiscais.

“A presidente Dilma está passando por esse processo por uma série de razões, disse o prefeito de Olinda, Renildo Calheiros (PCdoB). “Tem pessoas que até acreditam que não existem razões jurídicas para o impeachment, que tirar a presidente agora seria golpe. Mas votam a favor do impeachment pela pressão das bases eleitorais”, disse ele. Renildo, que passou todo o fim de semana na Capital Federal na expectativa de reverter votos desfavoráveis à presidente, lembrou também que existe um rancor em relação ao PT. “Muitos deputados estavam ansiosos para retirar os petistas do poder. Eles estão diante dessa oportunidade e não querem deixá-la escapar”, afirmou.

“É com muita dor no coração, mas votarei a favor do impeachment. O atual governo perdeu todas as condições de permanecer no posto”, reconheceu o deputado Julio César (PSD-PI). Ele afirmou que o país caminha rapidamente para a insolvência. “Temos um déficit de R$ 400 bilhões só para este ano, incluindo o regime geral da Previdência, a Previdência dos Servidores, os subsídios do BNDES e as desonerações”, justificou o parlamentar.

A difícil situação econômica e as incertezas sobre o comportamento dos grupos derrotados na votação do impeachment também jogam o Brasil em um cenário nebuloso a partir de amanhã. Em um vídeo divulgado nas redes sociais na última sexta-feira, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva mantém otimismo na reversão do quadro, mas lança prognósticos sombrios caso o PT seja afastado do Planalto.

“Ninguém conseguirá governar um país de 200 milhões de habitantes, uma das maiores economias do mundo, se não tiver a legitimidade do voto popular. Ninguém será respeitado como governante se não respeitar, primeiro, a Constituição e as regras do jogo democrático”, frisou Lula, afirmando que o país precisa de “paz e de estabilidade para retomar o caminho do desenvolvimento”.

A pessoas próximas, Lula avisou que, caso o processo de impeachment seja aprovado, ele não sairá mais da rua. Também pediu a todos os petistas que trabalham no Instituto Lula e que têm cargos de confiança em administrações do PT para que peçam exoneração dos seus postos. “Se o impeachment for aprovado, 2018 começa agora”, avisou a correligionários.

Os peemedebistas estão confiantes na vitória e na capacidade de reverter a crise econômica. Michel Temer precisará agir rapidamente, dar respostas práticas à sociedade. A chegada do PMDB ao Planalto será um marco na história do partido e um coroamento da trajetória de Temer. Não podemos desperdiçar essa oportunidade”, disse um interlocutor do QG do vice.

 

Desafios

A oposição deu apoio ao PMDB e a Temer nessa caminhada, mas está dividida em relação ao futuro. Tucano com melhor trânsito entre os peemedebistas, o senador José Serra (SP) — cotado para assumir o Ministério da Saúde — já deu entrevistas afirmando que o atual vice-presidente formará um ministério de notáveis. Mas existem setores do PSDB receosos de dar um crédito de confiança, preferindo aguardar os primeiros passos do um eventual futuro governo. “O PSDB e as oposições nos ajudam a tirar o PT do poder. Eles não podem nos abandonar agora”, cobrou o deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS).

Para a equipe econômica, Temer tem mantido conversas com o ex-presidente do Banco Central na gestão tucana, Armínio Fraga. Também dialoga com Henrique Meirelles (ex-presidente do BC no governo Lula). Na sexta-feira, circulou a informação de que ele teria sondado o presidente do Goldmann Sachs no Brasil, Paulo Leme, para o Ministério da Fazenda.

 

Além da questão econômica, Temer também terá de enfrentar outros desafios. Apesar do desejo explícito de diversos integrantes do alto escalão político, é pouco provável que ele consiga impor alguma rédea nas investigações da Lava-Jato. Ele já afirmou em entrevistas que respeita a liberdade e a autonomia das instituições da República. Mas no áudio vazado com o provável pronunciamento a ser feito na noite de hoje, após o término da votação na Câmara, não fez menção ao combate à corrupção ou à própria Lava-Jato.