Correio braziliense, n. 19317, 15/04/2016. Política, p. 6

Aliados divulgam lista polêmica

Hédio Ferreira Junior

Aliados da presidente Dilma Rousseff protocolaram ontem na Câmara dos Deputados o pedido de criação de uma frente parlamentar mista em defesa da democracia. O documento trazia assinaturas de 186 deputados federais contrários ao impeachment. O número ultrapassaria com folga os 171 votos que o governo precisa para enterrar o processo de impedimento de Dilma, servindo como base de referência para a votação deste domingo. A lista, porém, apresenta um problema: nomes que lá estão já debandaram da base aliada e hoje declaram abertamente a destituição do PT do poder.

A articulação para captar as assinaturas teria ficado a cargo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em Brasília há quase um mês, ele vem tendo uma série de conversas em um quarto do hotel Golden Tulip, próximo ao Palácio da Alvorada. Ainda nesse período, Lula teria garantido o apoio de parlamentares do PP e do PSD, partidos que esta semana anunciaram apoio quase maciço ao impeachment. Além das assinaturas dos 186 deputados, há o registro de 30 senadores.

Por lá estão nomes como o de Leonardo Quintão (PMDB-MG), um dos articuladores do grupo pró-impeachment na bancada peemedebista, e de parlamentares do DEM e do PSDB, principais defensores da saída de Dilma do Planalto. Há quem, inclusive, negue ter assinado o apoio a Dilma, como o delegado Éder Mauro (PSD-PA), outro da bancada pró-impeachment na Câmara. O tucano Domingos Sávio (MG) engrossou o tom no plenário e reclamou do ato que seria em prol da democracia ser transformado em um manifesto contra o impeachment. “Trata-se de uma atitude antiética, covarde e desesperada”, reclamou.

 

Agenda

A presidente nacional do PCdoB, deputada Luciana Santos (PE), disse que a frente tem o objetivo de sinalizar o debate do significado do processo de impeachment e que não poderia ser tratado como uma ação meramente política, sem apontar um verdadeiro crime de responsabilidade. Na semana passada, ela esteve com Lula no hotel. “Estamos assistindo a forças políticas querendo impor uma agenda retrógrada para o país, retirando direitos e conquistas, ameaçando o patrimônio brasileiro. É por isso que, num momento como esse, estamos levantando a necessidade de defesa da democracia”, justificou.

 

Apesar da saída de parlamentares da base, as assinaturas foram mantidas. Lula teria insistido no ato liderado pelo PCdoB, numa estratégia para mostrar que, apesar das dificuldades, a batalha para vencer o impeachment ainda não estaria perdida.  No texto de criação da “Frente Parlamentar Mista em Defesa da Democracia”, aparece a justificativa de que a legitimidade do voto tem sido posta em xeque e que o Congresso tem o dever de zelar pela democracia. A intenção de tornar público o documento e protocolá-lo é forçar um comprometimento do voto daqueles que estão na base e poderiam, a qualquer movimento, se debandar para o lado de quem quer o impeachment.

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Financial vê caos

O jornal britânico Financial Times sustentou ontem que o eventual impeachment da presidente Dilma Rousseff pode ser apenas o começo de problemas ainda maiores para o Brasil. A matéria destrincha como devem estar os ânimos políticos para a votação do processo que acontecerá no domingo.

De acordo com o correspondente do jornal no Brasil, Joe Leahy, embora tenha sido notada uma relativa recuperação do mercado, a onda positiva mais parece uma marola. Leahy destaca também que Dilma não está envolvida em escândalos de corrupção investigados pela Operação Lava-Jato, mesmo quando ela ocupou a cadeira de chefe do Conselho de Administração companhia. A falta de acusações contra a presidente difere das várias outras provas contra políticos em Brasília.

O “julgamento político” sofrido por Dilma, lembra o veículo, está baseado nas acusações de prática de pedaladas fiscais. Segundo o jornal, o deficit orçamental pode chegar a até 1% do PIB, no entanto, é uma falha técnica e não um ato que devesse motivar um processo de impedimento. “O impeachment é, essencialmente, um voto de desconfiança. Rousseff se tornou uma das mais impopulares líderes da história democrática do Brasil”, escreveu Leahy.

O Financial Times também registra o fato de que o vice-presidente também pode perder o cargo dependendo do resultado do processo que questiona, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o financiamento da companha  eleitoral dele e de Dilma em 2014. Apesar de defender que Temer no poder poderia soar mais “amigável” para o mercado, o cenário de caos político contaria agora com o PT na oposição.

 

“Pode a maior economia da América Latina reconciliar suas significativas diferenças políticas na sequência de um impeachment para lidar com uma recessão que se aprofunda, ou o processo trará mais instabilidade ou mesmo o caos?”, questiona o jornal. (MP)