O Estado de São Paulo, n. 44737, 12/04/2016. Política, p. A7

EM ÁUDIO, TEMER FALA COMO PRESIDENTE

Planalto avalia que vazamento de gravação não ocorreu por ‘acidente’ como alega o vice e considera que situação escancara ‘conspiração’

Por: Daniel Carvalho / Gustavo Porto / Tânia Monteiro / Vera Rosa

 

BRASÍLIA

 

No dia em que a comissão especial votou parecer pela admissibilidade do impeachment da presidente Dilma Rousseff, o vice-presidente da República Michel Temer (PMDB) deixou vazar um áudio de quase 15 minutos no qual dá como certo que a Câmara aprovará, neste fim de semana, a abertura do processo de afastamento da petista. Na gravação, Temer disse que, “aconteça o que acontecer”, é preciso construir um governo de “salvação nacional” e alertou que haverá “sacrifícios” para retomar o crescimento. O Planalto encarou a fala como “conspiração” e “golpe”.

“Quando houver a decisão definitiva, a decisão do Senado, preciso estar preparado para enfrentar os graves problemas que hoje afligem o nosso País”, afirmou Temer. O vice disse, depois, ter enviado o áudio “acidentalmente”.

A gravação antecipa o discurso que seria feito à Câmara por Temer somente na próxima semana, se a Casa autorizar a abertura do impeachment. A mensagem foi divulgada por aliados que integram o grupo de WhatsApp, para onde o áudio foi encaminhado um dia após pesquisa Datafolha ter mostrado que a rejeição ao peemedebista chegou a 27%.

Temer fez um discurso voltado a empresários, políticos e movimentos sociais - principal alicerce dos governos do PT -, abordando também a tese de unidade nacional, defendida por ele desde o ano passado.

“Aconteça o que acontecer no futuro, é preciso um governo de salvação nacional e, portanto, de União nacional. É preciso que se reúnam todos os partidos políticos e todos os partidos políticos estejam dispostos à colaboração para tirar o País da crise”, afirmou Temer no áudio distribuído pelos próprios parlamentares.

Ele se apresentou como “substituto constitucional da presidente da República” e disse que o País terá que se submeter a sacrifícios. “Vamos ter muitos sacrifícios pela frente. Sem sacrifícios não conseguiremos avançar para retomar o crescimento e o desenvolvimento que pautaram a atividade do nosso País, nos últimos tempos antes desta última gestão.”

O vice ainda fez um aceno aos movimentos populares ligados ao governo, para quem um eventual governo dele acabará com os programas sociais. “Sei que dizem, de vez em quando, que, se outrem assumir, vamos acabar com Bolsa Família, vamos acabar com Pronatec, vamos acabar com Fies. Isso é falso. É mentiroso e fruto dessa política mais rasteira que tomou conta do País. Deveremos manter estes programas e até, se possível, revalorizá-los e ampliá-los”, prometeu.

 

Reação. “Caiu a máscara do conspirador”, disse Dilma ao ser informada do áudio, dando ordem para que a equipe insista em carimbar Temer como “golpista”. Segundo interlocutores da presidente, o áudio escancara que há uma “conspiração”.

O Planalto avaliou que o vazamento da gravação não ocorreu por “acidente” como o vice alegou, mas de propósito, com o objetivo de consolidar votos a favor do impeachment. Em conversa com auxiliares, porém, Dilma afirmou que a estratégia pode ter efeito contrário, porque o vice “se sentou antes” na cadeira, representando um “tiro no pé”.

“Temer desprezou a liturgia do cargo e ficou com a marca de patrocinador do golpe”, afirmou o ministro-chefe do Gabinete Pessoal da Presidência, Jaques Wagner. “Nenhum atentado à democracia poderá produzir união nacional.”

Segundo ele, a postura de Temer é “deplorável”, o episódio “macula” a sua história e “rasga a fantasia do patrocinador do golpe”. Wagner ironizou: “Eu imagino que ele possa ter feito esta declaração vestido de faixa presidencial em frente ao espelho”.

O ministro da Secretaria de Governo, Ricardo Berzoini, disse, por sua vez, ter ficado “estupefato” com a gravação. “O vice admitiu ali que está disputando uma eleição indireta.”

Mais tarde, em entrevista, Temer contou que decidiu fazer a gravação após conversas com “vários companheiros” que o indagavam se estaria preparado para assumir.

“Eu disse, olha, vou fazer o seguinte: vou gravar uma coisa que eu imagino que possa dizer. Daí fiz uma gravação onde ressaltei pontos que eu tenho defendido ao longo do tempo”, argumentou. Segundo Temer, a mensagem seria enviada a um amigo, mas acabou indo para o grupo de deputados. /DANIEL CARVALHO, GUSTAVO PORTO, TÂNIA MONTEIRO e VERA ROSA

 

PARA LEMBRAR

Carta também gerou polêmica

 

O vice Michel Temer enviou em dezembro uma carta à presidente Dilma Rousseff na qual se queixou da “absoluta desconfiança” por parte da petista em relação a ele e ao PMDB. O texto tem como epígrafe o provérbio em latim “Verba volant, scripta manent”, que pode ser traduzido como “a palavra falada se perde ao vento, mas a palavra escrita permanece”. Temer lista 11 pontos para justificar a sensação de que foi tratado como “vice decorativo” no primeiro mandato de Dilma, entre 2011 e 2014, e que o PMDB só se manteve na aliança com o PT, na campanha à reeleição, por esforço pessoal dele. O peemedebista afirma na carta que manteve a “lealdade institucional pautada” pela Constituição, lamenta a saída de dois aliados do governo – os ex-ministros Moreira Franco e Eliseu Padilha – e vê como desfeita não ter sido chamado para uma conversa com o vice dos EUA, Joe Biden.

 

TRECHOS

“Agora, quando a Câmara dos Deputados decide por uma votação significativa declarar a autorização para a instauração de processo de impedimento contra a senhora presidente, muitos me procuraram...

para que eu desse ao menos uma palavra preliminar à nação brasileira.”

 

“A grande missão, a partir deste momento, é a da pacificação do País, da reunificação do País. Estou repetindo o que venho dizendo há muito tempo como responsável por uma parcela da vida pública nacional.

Devo dizer...

também, isto fica para aconteça o que acontecer no futuro, que é preciso um governo de salvação nacional e, portanto, de união nacional.”

 

 

“Sem sacrifícios não conseguiremos avançar para retomar o crescimento e o desenvolvimento...

que pautaram a atividade do nosso País nos últimos tempos antes desta última gestão.”

 

 

“Eu sei que dizem que, se outrem assumir, vamos acabar com Bolsa Família,...

vamos acabar com Pronatec, Fies. Isso é falso. É mentiroso e fruto dessa política mais rasteira que tomou conta do País.”