Correio braziliense, n. 19315, 13/04/2016. Política, p. 2
Conexão Gim
Eduardo Militão
Ana Maria Campos
Jacqueline Saraiva
Acusado de tentar impedir que empreiteiros prestassem depoimentos nas CPIs da Petrobras de 2014, o ex-senador Gim Argello (PTB-DF) foi preso preventivamente pela Polícia Federal em Brasília ontem na 28ª etapa da Lava-Jato, apelidada de “Vitória de Pirro”. Ele é acusado de receber R$ 5,35 milhões, valor distribuído entre políticos do Distrito Federal e até a uma igreja que realizava festa religiosa.
A PF ainda prendeu temporariamente Valério Neves, secretário-geral da Mesa da Câmara Legislativa do Distrito Federal até ontem pela manhã, quando acabou exonerado, e ex-chefe de gabinete do ex-governador e ex-senador Joaquim Roriz (PSC). Outro preso temporariamente foi Paulo Roxo, apontado pelo diretor financeiro da UTC Engenharia, Walmir Pinheiro Santana, como contato do ex-senador para repasse de dinheiro em campanha eleitoral de 2014. Num dos encontros, Roxo estava acompanhado de “uma pessoa de nome Valério”, segundo o diretor da UTC. Os três estão presos na Superintendência da PF em Curitiba.
Segundo a PF e o Ministério Público, a UTC Engenharia pagou R$ 5 milhões para partidos políticos indicados por Gim em 2014 para evitar que o dono da empresa, Ricardo Pessoa, fosse convocado nas CPIs do Senado e do Congresso. As comissões apuravam irregularidades na Petrobras. Já a OAS deu R$ 350 mil para uma igreja indicada pelo então senador a fim de que o presidente afastado da empresa, Léo Pinheiro, ficasse livre da ação das comissões de inquérito. Gim era vice-presidente da CPI mista que investigava a Petrobras.
Os procuradores Carlos Fernando Lima e Athayde Ribeiro Costa dizem que, até o momento, não há provas de que os partidos e a igreja tinham conhecimento do esquema. Em outra colaboração premiada, o senador Delcídio do Amaral (ex-PT-MS) afirmou que Gim integrava grupo de quatro parlamentares que jantava às segundas-feiras em Brasília para evitar que os empreiteiros Léo Pinheiro, da OAS, e Pessoa, além do lobista Júlio Camargo, “fossem convocados para depor na CPI”. Os procuradores evitaram comentar a relação com esse caso porque a delação de Delcídio envolve autoridades com foro privilegiado. O falecido ex-presidente do PSDB Sérgio Guerra já foi acusado de receber dinheiro para abafar a CPI ocorrida em 2009.
Ontem, a família de Gim manifestou “indignação” com a prisão “injustificada” e “baseada apenas em denúncias não confirmadas”. “Ao longo de toda a investigação, sempre colaborou com a Polícia Federal sem nunca se opor a prestar esclarecimentos ou informações”. O PTB informou ontem que o caso não está relacionado ao partido e espera que Gim “consiga provar sua inocência”.
Segundo o Ministério Público Federal, o caso é muito grave. “Isso revela uma corrupção ao quadrado, uma metacorrupção”, disse Ribeiro. Para ele, “o crime foi dotado de inusitado atrevimento”, porque visava atrapalhar a investigação de uma CPI. “Há fortes indicativos de que uma comissão de investigação parlamentar, que tem um importante papel de investigação de fatos graves em nossa democracia, foi usado por um então senador para, em vez de combater a corrupção, praticá-la.”
Carlos Fernando destacou que a corrupção atinge todos os partidos, inclusive a oposição, como o PSDB e o DEM. “O exercício do poder, seja por qual partido for, tem gerado corrupção, como finalidade de suprir o caixa de campanhas políticas. Tanto é verdade que esses valores, boa parte, foram encaminhados para partidos da base de apoio deste senador Gim, entre eles, partidos da oposição”. E continuou: “O sistema político-partidário do país está apodrecido pelo abuso do poder econômico. É a mensagem que gostaríamos de deixar na operação hoje”, afirmou.
Provas
As investigações começaram com a delação premiada de Ricardo Pessoa e Walmir Pinheiro. Mas, para os investigadores, os depoimentos foram confirmados. As provas de corroboração incluem mensagens de celular com linguagem cifrada, registros de telefonemas entre integrantes da comissão de inquérito e empresários investigados, localização geográfica do celular registradas pelas torres de telefonia, reuniões, passagens aéreas, registros de portaria e requerimentos de convocação na CPI não atendidos. O nome da operação, Vitória de Pirro, é uma alusão à expressão histórica que representa uma vitória obtida mediante alto custo, popularmente adotada situações consideradas inúteis.
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Helena Mader
A propina paga pela construtora UTC a Gim Argello abasteceu a campanha eleitoral de aliados do ex-senador em 2014. Na época, Gim era candidato à reeleição, na coligação encabeçada por José Roberto Arruda, que disputava o governo. O grupo teve o apoio do ex-governador Joaquim Roriz e do ex-senador Luiz Estevão, ambos à época no PRTB, com quem trabalhou no Senado e na Câmara Legislativa.
Os R$ 5 milhões da UTC beneficiaram o PR, o DEM, o PRTB e o PMN. Os candidatos que receberam as doações registradas da empresa afirmam desconhecer a procedência ilícita dos recursos. Gim Argello almejava permanecer no Senado por mais oito anos, mas não tinha força política para a empreitada. Depois de ter sido rejeitado como candidato ao Senado na coligação de Agnelo Queiroz (PT), Gim fechou acordo com o grupo de Arruda e Roriz e se comprometeu a conseguir recursos para a campanha, em troca de apoio político.
O dinheiro da UTC foi usado nas campanhas de candidatos ao governo, a deputado distrital e federal. José Roberto Arruda (PR), que disputou o GDF, levou R$ 1 milhão. O advogado do ex-governador, Pedro Ivo Velloso, nega que Arruda soubesse da origem ilícita. “Todas as doações foram reconhecidas como legais pela Justiça Eleitoral”, explica o advogado.
Do clã Roriz, os recursos da UTC beneficiaram a deputada distrital Liliane Roriz (ex-PRTB, hoje PTB), além de Jaqueline Roriz (PMN), que tentou concorrer a federal, e Joaquim Roriz Neto (PMN), que a substituiu quando a mãe teve o registro impugnado pela Justiça Eleitoral. Em nota, a assessoria da deputada distrital Liliane Roriz disse que ela nunca teve qualquer contato com diretores ou donos da UTC Engenharia. “A doação foi feita diretamente ao PRTB, partido pelo qual a deputada, hoje no PTB, foi eleita. A deputada lembra ainda que as contas de sua campanha foram aprovadas pelo TRE”.
Em nota, o deputado Alberto Fraga, que é presidente regional do DEM, afirmou que as doações recebidas geraram a emissão dos recibos eleitorais e constaram da prestação de contas, que foram integralmente aprovadas pelo Tribunal Regional Eleitoral. Fraga lembra que a UTC nunca realizou obras no Distrito Federal. “As doações foram viabilizadas diretamente pela coligação União e Força e, na época dos fatos, não havia qualquer notícia acerca da inidoneidade da referida empresa”. Fraga nega conhecer o empresário Ricardo Pessoa, da UTC, e lembra que, à época das doações, não exercia mandato público eletivo, “motivo pelo qual se revela absolutamente descabida a hipótese de haver qualquer tipo de pressão política junto à UTC”.
R$ 5 milhões
Valores repassados pela UTC e que beneficiaram o PR, o DEM, o PRTB e o PMN