Correio braziliense, n. 19314, 12/04/2016. Política, p. 3

Gafe de Temer, de novo

Naira Trindade

Paulo de Tarso Lyra

 

Após enviar carta à presidente Dilma Rousseff demonstrando a insatisfação com a participação no governo dela e permitir que o PMDB abandonasse a base aliada, o vice-presidente Michel Temer voltou a surpreender o governo com a gravação de um áudio em que adianta seu discurso prevendo que a Câmara vai autorizar a abertura do processo de impeachment contra Dilma no domingo. Numa gravação de 14 minutos, Temer afirma que, “aconteça o que acontecer”, é preciso “um governo de salvação nacional” para unificar o país. Ao defender o “vazamento”, o vice afirmou que a divulgação ocorreu de maneira equivocada.

A mensagem divulgada antecipadamente defendeu a manutenção dos programas sociais, reforçou o comprometimento com parcerias público-privadas para aquecer a economia e fazer o país voltar a crescer e destacou os percalços que supostamente vai encontrar para reconstruir o Brasil com a possível saída da presidente Dilma caso os deputados decidam pelo impeachment no domingo. “Quero me dirigir ao povo brasileiro para dizer algumas das matérias que penso devam ser por mim, agora, enfrentadas e eu faço, naturalmente, com muita cautela”, iniciou o discurso, supondo que já estaria no comando do país.

A gravação provocou reação imediata no Palácio do Planalto. Os ministros-chefes da Secretaria de Governo, Ricardo Berzoini, e da Chefia de Gabinete da Presidência, Jaques Wagner, levaram o áudio para a presidente. No fim, concluíram que Temer conspirou contra a presidente.  Avaliaram que houve despreparo e ansiedade golpista dele em “sentar na cadeira da Presidência antes da hora”. E, ainda, consideraram que a divulgação da gravação do “governo Temer” foi péssima para ele frente ao impeachment.

Berzoini se disse “estupefato” com o vazamento da gravação. “Esse áudio demonstra as características golpistas do vice”, atacou. O ministro considerou que Temer iniciou uma disputa eleitoral pelas mensagens da gravação. “Transformou o processo numa eleição indireta para conseguir votos em favor do impeachment”, afirmou. “Ele está confundindo a apuração de eventual crime de responsabilidade da presidente Dilma com eleição indireta. Está disputando votos”, atacou.

Já o ministro Jaques Wagner ressaltou que, apesar dos apelos do vice-presidente, não haverá possibilidade de unificar o país. “Com a gravação revelada hoje fica claro que, sem qualquer cerimônia, o vice se esquece do seu papel institucional, despreza a liturgia do cargo e patrocina abertamente o golpe dissimulado. Só que nenhum golpe poderá produzir uma união nacional porque afronta a democracia”, disse Wagner.

 

“Traidor”

No Congresso, parlamentares da base e da oposição avaliaram os efeitos provocados pela divulgação da gravação. “É o maior traidor e dissimulado da história deste país”, disse o vice-líder do governo na Câmara, Sílvio Costa (PTdoB-PE), reproduzindo o áudio do vice-presidente no microfone da Comissão Especial do Impeachment. “Eu não entendo onde ele consegue ganhar com a divulgação desse áudio. É o terceiro tiro no próprio pé que Temer dá. O primeiro foi o vazamento da carta na qual ele se lamuriava do tratamento recebido da presidente. Depois, vem o desembarque frustrado com a foto do Eduardo Cunha. Agora, isso”, avaliou um senador peemedebista.

Do outro lado, parlamentares opositores ao governo Dilma confirmam ter sido apenas um reforço aos caminhos que estão por vir. “O discurso mostra alguém preocupado com o futuro do país apontando caminhos para o Brasil sair da crise. É a fala de um estadista, mas que, de fato, vazou no momento errado”, admitiu o deputado Danilo Forte (PSB-CE).

“Ele reforça tudo o que nós dissemos, que o Brasil precisa de previsibilidade econômica e segurança jurídica para vencer o atual momento”, reforçou o deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA).

 

Frase

"Com a gravação revelada hoje, fica claro que, sem qualquer cerimônia, vice se esquece o seu papel institucional, espreza a liturgia do cargo e patrocina abertamente o golpe dissimulado. Só que nenhum golpe poderá produzir uma união nacional, porque afronta a democracia”

 

Jaques Wagner, chefe de gabinete da  Presidência da República

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A guerra pelos votos no plenário

Paulo de Tarso Lyra

Naira Trindade

Paulo Silva Pinto

 

Antigos aliados, PT e PMDB agora se opõem na luta pelo poder. De um lado, a presidente Dilma Rousseff libera restos a pagar e sinaliza com a distribuição de ministérios e cargos do segundo e terceiro escalões para atrair votos. Do outro, o vice-presidente, Michel Temer apela para a pressão psicológica e a promessa de benesses futuras para aqueles que apoiarem o impeachment. “Não falamos especificamente de postos. Mas dizemos que, aqueles que tiverem bons nomes, comecem a preparar a lista, pois teremos pressa”, disse um dos articuladores da ofensiva de Temer.

A pressa é explicada pelo fato de que um possível governo Michel Temer, caso aconteça após o afastamento de Dilma, vai durar apenas dois anos e meio. “Não teremos tempo de montar uma base aliada. Por isso, a equipe do governo terá de ser afinada e de primeira linha”, justificou um cacique peemedebista. “Um ministério que dê apoio a uma equipe econômica capaz de tirar o país da atual crise em que se encontra”.

A curto prazo, contudo, a estratégia do convencimento passa pelo medo e pelo aspecto emocional. “Você não vai querer ver jovens na porta da sua casa ou pessoas em frente ao seu escritório político reclamando se você votar a favor do governo, vai? Como você ficará perante os filhos e netos ao dizer que foi contrário ao desejo da maioria dos brasileiros?”, indagou um dos elaboradores do discurso peemedebista para reverter o voto dos indecisos.

Enquanto isso, o governo continua em seu processo de convencimento. Como mostrou o Correio na edição de domingo, já foram liberados, até abril, R$ 112 milhões em restos a pagar que estavam represados desde 2012. Os partidos mais assediados pelo Planalto — PR, PP e PSD — receberam, juntos, R$ 12,2 milhões.

Nove dos 27 diretórios estaduais do PP anunciaram no fim de semana posições favoráveis ao impeachment. A legenda pode herdar o Ministério da Saúde e a Caixa Econômica. O deputado Maurício Quintella Lessa (PR-AL) abriu mão da liderança da bancada para apoiar o afastamento da presidente, após uma reunião na noite de domingo com o vice-presidente, Michel Temer. Mas a orientação partidária é de apoio a Dilma. “O PR não se reuniu para mudar de posição, embora, hoje (ontem), a bancada esteja realmente dividida”, ponderou o vice-líder do governo na Câmara, José Rocha (BA).

 

Baixo clero

Os deputados com bases eleitorais distantes de grandes centros estão entre os principais alvos de ofertas do governo para garantir os votos contra a abertura do impeachment. São oferecidos a esses parlamentares cargos federais em seus estados, por meio dos quais poderão exercer maior influência na máquina pública federal.

Um dos partidos que está mais dividido é o PP. O deputado Nelson Muerer (PP-PR) é contra o impeachment. “Eu votei em Aécio Neves (PSDB) na última eleição. Quem acha que a presidente não tem competência deve esperar 2018 para trocá-la”, afirmou. Ele disse desconhecer qualquer oferta do governo para que parlamentares do partido votem contra o impeachment. “Não tenho informações sobre isso.”

A expectativa de Meurer é de que o resultado será dividido de forma equitativa: metade dos votos a favor do governo e metade contra. O deputado Roberto Britto (PP-BA)  é contra a abertura do processo. “Li o relatório e não encontrei crime de responsabilidade. Não se pode tirar o mandato da presidente por uma coisa tão pequena, que é feita frequentemente por prefeitos e governadores”, disse. Ele também disse desconhecer qualquer barganha por votos.

 

O primeiro-secretário da Câmara, Beto Mansur (PRB-SP), ex-integrante do PP, afirmou que seu antigo partido já tem 31 votos favoráveis ao impeachment e 10 contrários. Os demais são indecisos. Favorável ao processo, ele duvida que o governo consiga vitória na Câmara. “No impeachment do Collor, 60% dos que votaram com o governo não conseguiram ser reeleitos. Agora, com redes sociais, o resultado vai ser pior para esses parlamentares”, vaticinou.