Correio braziliense, n. 19312, 10/04/2016. Economia, p. 8

Previdência devastada

Celia Perrone

O aumento do desemprego já afeta fortemente as contas da Previdência Social. É consenso que, em 2016, a previdência urbana voltará a registrar deficit. A estimativa é que a relação entre arrecadação e despesas será negativa em R$ 39 bilhões nominais. Será o primeiro ano no vermelho desde 2008.

Em 2015, a taxa do desemprego alcançou 8,5% na média anual. Isso representa mais de 9 milhões de pessoas que perderam a carteira assinada, portanto deixaram de contribuir com o sistema. Para este ano, a previsão é que a taxa atinja 12%, com a some de mais três milhões de trabalhadores ao banco de reservas.

A estimativa é do ex-secretário de Políticas de Previdência Social, Leonardo Rolim. “Em 2016 veremos o primeiro ano de frustração de receita na Previdência Urbana depois de um crescimento desde 2008 com o aumento da formalidade e o aumento da renda. Nesse período, a receita do sistema cresceu em média mais que o dobro do Produto Interno Bruto (PIB). Houve ano em que chegou a mais de 10%”, revelou.

Rolim explica que a queda do número de contribuintes, a diminuição da massa salarial, além da inflação, funcionam como detonadores de uma bomba relógio que está prestes a explodir. Nas contas dele, o deficit vai atingir R$ 146 bilhões somando as áreas rural e urbana. Bem acima dos R$ 136 bilhões estimados pelo Tesouro Nacional. “Vai ser o pior ano da história da previdência urbana”, vaticina. “O Brasil nunca teve um período de queda de PIB tão acentuado. Nem na década de 1980 com a hiperinflação, nem na de 1990 com Collor e todas as crises internacionais como a dos tigres asiáticos, Rússia, México e Argentina”, completa.

 

Retomada demorada

O mercado de trabalho demora para sentir a crise econômica. Os empresários resistem  antes de demitir, devido aos altos custos de dispensa e ao desperdício do investimento na formação de mão de obra. Uma vez que o processo começa, porém, a recuperação é lenta.

“Nada acontece do dia para a noite. O mercado de trabalho está afundando e não chegamos ao final do poço. Vai se agravar ainda mais. Março do ano passado foi o último mês com resultado positivo. Agora já estamos nos aproximando dos dois milhões de desempregados em 12 meses. Se o mercado de trabalho vai mal, as contas da Previdência não têm como estarem bem”, afirma Rodolfo Peres Torelly ex-diretor do Departamento de Emprego do Ministério do Trabalho.

O reflexo do desemprego foi imediato no resultado do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) que registrou deficit em janeiro e fevereiro de R$ 18,7 bilhões, aumento real de 58,3% em relação a igual período de 2015. As contribuições caíram 5,9% em termos reais e o resultado da previdência urbana foi negativo em R$ 3,4 bilhões no primeiro bimestre.

Enquanto isso, o pagamento de benefícios cresce 3,5% em média ao ano, alimentado pelo aumento de benefícios, que são corrigidos pela inflação, e do crescimento no número de aposentados. Das receitas primárias totais estimadas pelo Tesouro de R$ 1,4 trilhão neste ano, o RGPS deve consumir R$ 496,4 bilhões, superando em mais de 30% os R$ 360,4 bilhões de receitas estimadas — e que, inevitavelmente, serão menores com o aumento do desemprego e da queda da massa salarial.

Lucas Elpídio Ramos da Silva, 30 anos, ficou desempregado em 2014. Conseguiu uma bolsa de estudo para o curso de serviço social na Universidade de Brasília (UnB). Silva conta que começou a trabalhar aos 14 anos como menor aprendiz e diz ter cinco anos de carteira assinada. “Preocupa-me muito o fato de não estar contribuindo, ainda mais porque a idade de aposentadoria tende a aumentando. Mas não sobra. Pretendo fazer um concurso público e, assim que der, fazer um plano de previdência privada”, ressalta. “Agora, não tem jeito. Estou com o nome sujo no Serviço de Proteção ao Crédito (SPC). Tenho que arrumar um trabalho, colocar as contas em dia e depois cuidar da Previdência”, avalia.

Silva tem razão em se preocupar. O Brasil vive uma transformação demográfica e o envelhecimento populacional é uma realidade. Os números mostram que sociedade brasileira está envelhecendo rapidamente. Em 1955, a expectativa de vida ao nascer era de 52,9 anos e, em 2015, já alcançou 75,4 anos. A taxa de fecundidade passou de 6,1 filhos por mulher, em 1955, para 1,7 filho em 2015. Hoje, o país possuí 46 milhões de pessoas acima dos 50 anos e este número será mais que o dobro dentro de três décadas.

A redução do número de nascimentos aliada ao aumento da expectativa de vida do brasileiro fará com que pessoas acima de 60 anos passem a representar um percentual maior da população. Em 2050, o país terá 60 milhões de habitantes com mais de 60 anos, o que corresponderá a mais que um terço do total, segundo estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

 

País fica mais velho

Para Nilton Molina, presidente do Conselho de Administração da Mongeral Aegon Seguros e Previdência S/A e do Instituto Longevidade, o principal problema do país é que as pessoas não sabem como o sistema de Previdência funciona. “Há dias, em uma reunião com clientes bem informados, que foram altos executivos, ganhando entre R$ 40 e R$ 50 mil, reclamavam que recebiam R$ 3 mil de benefícios. Eles não tinham ideia que nunca contribuíram para receber mais que o teto do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), que é de pouco mais que R$ 5 mil”, avaliou.

“É necessário o governo fazer um grande programa de educação e esclarecimentos para a população. Na minha opinião, não deveria fazer reforma, mas sim criar uma nova previdência, um sistema totalmente diferente para os nascidos depois do ano 2000. Eles estão com 15 anos agora e não entraram no mercado de trabalho ainda. E depois criar incentivos fiscais, como descontos no Imposto de Renda, para que os trabalhadores do regime antigo se integrem ao novo sistema. Isso já foi feito no país, na década de 1960, quando criaram o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) e deu certo. O que mundo precisa saber é que o Brasil tem jeito”, determina.

 

Renda insuficiente

O envelhecimento rápido da população brasileira é uma realidade. O Brasil ainda é um país jovem, mas já gasta com previdência a mesma coisa que o Japão, que tem uma população com 65 anos ou mais anos de idade três vezes maior que a nossa. “Em 30 anos, teremos a mesma estrutura demográfica que tem o Japão hoje. Assim, se não reformarmos a previdência, a despesa com aposentadorias e pensões crescerá muito, independentemente do crescimento do PIB. Acredito que iríamos para algo como 18% do PIB em 2050”, frisa Mansueto Almeida, especialista em finanças públicas.

Segundo levantamento publicado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), hoje, no Brasil, há oito pessoas em idade ativa para cada pessoa com 65 anos de idade. Daqui a 25 anos essa relação vai cair para quatro. “Ou seja, para que o nosso crescimento não seja afetado, os quatro trabalhadores em idade ativa terão que produzir o mesmo que antes era produzido por oito trabalhadores. Qual o risco? Adiarmos por muito tempo a reforma da previdência, a produtividade crescer pouco e em 30 anos sermos um país que não cresce, ainda de renda média abaixo de US$ 20 mil. O Japão deixou de crescer quando já era rico. Corremos o risco de deixar de crescer ainda sendo um país de renda média”, ressalta. “Não escaparemos de uma reforma da previdência. Além do problema de curto prazo do desequilíbrio fiscal, tem um problema que vai afetar o nosso crescimento de longo prazo para resolver”, prevê.

 

Outro problema é que a previdência carrega uma série de benefícios que não são previdenciários. No caso de mais de 70% das pessoas que recebem por isso, não houve contribuição. A tendência, segundo especialistas, é que isso piore.