Correio braziliense, n. 19311, 09/04/2016. Política, p. 3

Vazamento é estranhíssimo, diz Cardozo

Hédio Ferreira Júnior

O ministro-chefe da Advocacia-Geral da União (AGU), José Eduardo Cardozo, fez coro ao discurso da presidente Dilma Rousseff e disse achar “estranhíssimo” o vazamento da delação premiada da Andrade Gutierrez, às vésperas da votação do parecer que admite a abertura do processo de impeachment na comissão especial da Câmara dos Deputados, marcada para segunda-feira. Defensor de Dilma na ação, Cardozo afirmou que a divulgação das informações sigilosas — em que a empreiteira teria doado dinheiro de propina às campanhas do PT em 2014 — é uma tentativa de desestabilizar o Planalto.

“Achei estranhíssimo o vazamento da delação. Eu não consigo não ver associação entre os fatos e eu não sei se é verdade o que está lá”, suspeitou o ministro se as partes publicadas da delação não seriam apenas recortes de uma ação “oportunista e seletiva”.

Horas antes de a comissão do impeachment começar a discutir o parecer de Jovair Arantes (PTB-GO) favorável ao impedimento de Dilma, Cardozo reuniu jornalistas com o objetivo de desconstruir pontos do texto que julgou equivocados e com “erros grosseiros”. O propósito apresentado por ele seria subsidiar os deputados com voto na comissão a perceberem as possíveis falhas e votarem pelo arquivamento do processo, tanto no colegiado na segunda-feira quanto em plenário, a partir da próxima sexta-feira.

Os problemas começariam na decisão de o relator não se restringir à motivação do processo, que questionaria as chamadas pedaladas fiscais. O advogado-geral da União lembrou que o próprio presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), rejeitou a inclusão de diversos pontos à ação — como as delações do senador Delcídio do Amaral (PT-MS) —, por considerar que extrapolavam o questionamento. Ainda assim, Jovair chegou a dizer que poderia examinar todas elas. “Quando uma denúncia é rejeitada, cabe recurso. E ninguém recorreu. Então não faz sentido o relator falar disso no processo”, reclamou.

Jovair também incluiu no relatório denúncias do mandato anterior da presidente e de quando Dilma ainda sequer era ministra, como a compra da refinaria da Petrobras em Pasadena, nos Estados Unidos. “Esse relatório só agravou a licitude desse processo”, disse o ministro, que ainda acusou a comissão de violar o estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil de impedir que a defesa tivesse a palavra na sessão em que o parecer foi lido.

 

Judicialização

José Eduardo Cardozo optou pelo discurso de “confiança” na Câmara pelo voto contrário ao relatório. Alheio às acusações de acordos com ofertas de cargos a partidos da base aliada e conchavos para somar os votos a favor do governo, ele se negou a dizer qual deverá ser a atitude da AGU caso a admissibilidade do impeachment seja aprovada. Parlamentares da base governista já adiantaram que deverão recorrer ao Judiciário questionando o texto e o resultado, se for aprovado na comissão especial.

“Não costumo trabalhar com hipóteses e não será desta vez. Confio nos deputados”, disse, sem adiantar se recorrerá ao Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar reverter qualquer decisão desfavorável à defesa.  “Há um componente forte de que estou defendendo a Constituição e isso me faz acreditar que sigo as minhas convicções e a minha história”, concluiu.

“Achei estranhíssimo o vazamento da delação. Eu não consigo não ver associação entre os fatos e eu não sei se é verdade o que está lá”

 

José Eduardo Cardozo, ministro-chefe da Advocacia-Geral da União

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"É muito bem pago"

O relator da comissão especial que analisa o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, deputado Jovair Arantes (PTB-GO), rebateu os comentários do advogado-geral da União, ministro José Eduardo Cardozo, sobre o seu parecer. Ele afirmou que Cardozo “é muito bem pago para defender o governo”. Apesar de considerar o posicionamento legítimo, Jovair disse ainda que não aceita nenhuma das críticas do ministro como sendo verdadeiras.

“Eu não sou jurista, mas Cardozo está dando um entendimento de que não lê direito a Constituição, que não aplica as leis do país na prática do seu uso como dirigente. Eu estou absolutamente seguro que fiz tudo dentro das regras e normas democráticas, dentro de um livro chamado Constituição e do regimento da Câmara dos Deputados, sem nenhum desvio de conduta em todo o período”, defendeu-se o parlamentar.

Jovair insinuou que Cardozo deve estar “preocupado com a dureza do relatório e a firmeza do ponto de vista jurídico, técnico e político”. “Ele tem direito de achar o que ele quiser, agora eu estou usando a minha prerrogativa de relator de um instrumento poderosíssimo, o impeachment. Quem não estiver satisfeito com isso pode entrar na Justiça, o Supremo Tribunal Federal (STF) existe para isso”, provocou o deputado.

 

O petebista demonstrou otimismo sobre a aprovação do relatório final na segunda-feira. “Será aprovado”, afirmou. Ele declarou ainda que o parecer busca resgatar a condição de legislador da Câmara, que, segundo ele, vem sendo “usurpada” pelo Judiciário e pelo Executivo. “Para ser legislador tem que ter voto popular, nós tivemos. Então os deputados e os senadores é que falam sobre orçamento, como e para onde vai.”