Correio braziliense, n. 19313, 11/04/2016. Política, p. 2

O dia seguinte à votação do impeachment

Marcella Fernandes

Hédio Ferreira Júnior

Seja qual for o resultado da votação do impeachment na Câmara dos Deputados, previsto para domingo, a turbulência que tira a estabilidade do governo e paralisa o Brasil ainda estará longe do fim. Sem poder de governabilidade, com a economia do país estagnada e refém de acordos com pequenos partidos para salvar o próprio mandato, a presidente Dilma Rousseff tende a não encontrar a calmaria, mesmo que consiga um terço dos votos. Especialistas ouvidos pelo Correio vislumbram meses de tensão e nenhum avanço político e econômico, seja com a continuidade do PT no poder, seja com a convocação de novas eleições, caso Dilma seja destituída.

Não há previsão apocalíptica para o dia seguinte da votação, mas é senso comum que os próximos sete dias serão determinantes. Após a comissão especial da Câmara dos Deputados analisar hoje o parecer do deputado Jovair Arantes (PTB-GO), favorável ao afastamento da petista, o texto irá para o plenário da Casa. Pelo calendário dos congressistas, a discussão com os 513 deputados começa na sexta-feira e se estenderá no fim de semana. Ali, o placar é incerto. A oposição ainda não dá como garantidos os 342 votos necessários para que o processo siga para o Senado e o governo também não fechou os 171 do outro lado.

Se a Câmara for favorável à saída de Dilma, uma comissão de 21 senadores analisará o resultado. O parecer é votado no colegiado e vai para o plenário, onde precisa de maioria simples dos que estiverem presentes para determinar o afastamento temporário da petista. Se isso acontecer, o vice-presidente Michel Temer assume. Nesse cenário, o Senado tem 180 dias para analisar o impedimento definitivo, que é votado em plenário, durante sessão comandada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski. Para que Temer assuma definitivamente são necessários os votos de 54 senadores. Se o impeachment não passar na Câmara, o processo é encerrado.

Quem observa a cena política atual aposta na continuidade da crise em ambos os casos. Se Dilma permanecer, serão necessárias mudanças determinantes na condução dos trabalhos com o Congresso, envolvendo a distribuição de cargos entre os partidos da base, como PP, PR e PSD e conversas para garantia de apoio nas votações de propostas necessárias para retomada da economia. A continuidade da Operação Lava-Jato também é outro fator de instabilidade, uma vez que novos fatos de envolvimento do PT podem ser revelados.

“Caso se salve do impeachment, a presidente Dilma não governará e teremos o ex-presidente Lula, na prática, como o governante. Ele, porém, não terá tranquilidade para fazer o que gostaria com a Polícia Federal e a Procuradoria-Geral da União no seu encalço”, prevê o professor de ética e filosofia da Unicamp, Roberto Romano. “A presidente entrou em uma espécie de agiotagem política, devendo cada vez mais favores aos partidos da base caso consiga ser salva por eles”, completa o cientista político e professor do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), Geraldo Tadeu Monteiro.

As investigações do esquema de desvio de recursos na Petrobras também ameaçam um eventual governo Temer, uma vez que políticos do PMDB estão envolvidos. Outras dificuldades são os processos pendentes no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que podem levar à cassação de seu mandato se forem comprovadas irregularidades na campanha eleitoral. Somam-se ainda a pressão do PT e de movimentos sociais contrários à saída de Dilma.

“O Temer sofre ainda com a baixa credibilidade do partido na sociedade. No entanto, um eventual governo dele nasce com a capacidade mais alta de fazer política”, afirma o mestre em ciência política Lucas de Aragão. Ele aponta ainda que parlamentares de centro contam com a volta do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para uma melhora do governo do PT. “A Dilma falhou ao não entregar o que foi prometido a aliados. O que garante que vai ser entregue é a presença de Lula no governo”, completa Aragão, sócio-diretor da consultoria Arko Advice. O Supremo Tribunal Federal (STF) ainda julgará se Lula poderá assumir como ministro.

Quanto à votação em si, três fatores podem influenciar o resultado na avaliação de especialistas. O primeiro: as manifestações de movimentos sociais programadas de ambos os lados ao longo da semana. O segundo é a chance de novos fatos investigados pela Operação Lava-Jato virem à tona. O terceiro é a ordem de votação a ser adotada pelo presidente Eduardo Cunha (PMDB). As regras preveem chamada alternada entre estados do Norte e do Sul. Aliados do peemedebista afirmam que ele deixará para o fim parlamentares do Nordeste, região com maioria pró-Dilma, o que pode influenciar indecisos. Também se soma a expectativa de aprovação do relatório de Jovair na comissão.

 

Na avaliação do cientista político Claudio Couto, da Fundação Getulio Vargas (FGV), antes de 2018 não há previsão de melhora. “Não tem boa saída para esse processo”, afirma. Ele acredita ser pouco viável a convocação de eleições antes dessa data. O especialista lembra a possibilidade de contestações jurídicas devido a divergências quanto a solidez dos argumentos técnicos do pedido de afastamento. “Ninguém foi punido tão severamente por descumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal no Brasil e inaugurar esse precedente por meio do impeachment de uma presidente seria uma solução extrema dentro do presidencialismo”, afirma.

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Sessão deve avançar até a noite

 

A comissão do impeachment da presidente Dilma Rousseff vota hoje o relatório do deputado Jovair Arantes (PTB-GO), favorável ao afastamento da petista. A sessão começa às 10h e pode durar até meia-noite. O presidente do colegiado, deputado Rogério Rosso (PSD-DF), quer respeitar o prazo de cinco sessões plenárias desde a defesa apresentada pela Advocacia-Geral da União (AGU) no último dia 4. Ele prevê que a votação comece a partir das 19h. Logo no início, ele fará o discurso de abertura e anunciará os procedimentos acordados com líderes na sexta-feira.

Em seguida, Jovair terá 20 minutos de fala, como prevê o artigo 57, inciso IX do regimento da Câmara dos Deputados. O próximo passo é a fala do titular da AGU, José Eduardo Cardozo, que falará pelo tempo que desejar, a fim de não cercear o direito de defesa. A expectativa é que a exposição não passe de 40 minutos. Depois, integrantes do colegiado podem apresentar questões de ordem, a serem respondidas por Rosso.

Passada essa etapa, os líderes iniciam os encaminhamentos para votação. Cada um dos 25 poderá falar entre três e 10 minutos, a depender do tamanho da bancada. A votação será eletrônica. Um dos titulares, o deputado Washington Reis (PMDB-RJ), não virá. Ele disse à reportagem estar internado desde sexta-feira com suspeita de H1N1. Apesar de próximo ao líder da bancada, Leonardo Picciani (RJ), ligado ao Planalto, a expectativa era que ele votasse contra o governo. Reis será substituído por um suplente do bloco na comissão, de acordo com a ordem de chegada.

 

Ambos os lados apostam na aprovação do relatório de Jovair, apesar do placar apertado. Independentemente do resultado, o texto vai para o plenário. Pelo calendário previsto, a discussão começa na sexta-feira e termina no domingo. Lá, são necessários 342 votos para que o processo siga para o Senado, onde passa por uma comissão e pelo plenário. (MF)