O Estado de São Paulo, n. 44731, 06/04/2016. Política, p. A4

STF MANDA CÂMARA ABRIR IMPEACHMENT DE TEMER; DECISÃO É ‘ABSURDA’, DIZ CUNHA

Poderes em choque. Marco Aurélio Mello dá liminar pedida por advogado que acusou vice de assinar decretos contrários à lei orçamentária, mesmo argumento que pesa contra Dilma; presidente da Casa legislativa afirma que vai recorrer e faz críticas a ministr
Por: Beatriz Bulla /Gustavo Aguiar

 

Beatriz Bulla

Gustavo Aguiar / BRASÍLIA

 

O ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello determinou ontem que o presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), aceite pedido de impeachment contra o vice presidente da República, Michel Temer, e instale uma comissão especial para analisar o processo. A decisão segue a mesma linha de minuta do despacho divulgada por erro do STF na noite de sexta-feira. A Câmara vai recorrer. “Defiro parcialmente a liminar para, afastando os efeitos do ato impugnado, determinar o seguimento da denúncia, vindo a desaguar na formação da Comissão Especial, a qual emitirá parecer”, escreveu o ministro. Marco Aurélio pediu informações à Câmara, a despeito da manifestação já encaminhada pela Casa, e abriu a possibilidade de a União ingressar no processo como interessado. O ministro, antes de entrar no mérito da discussão, também receberá parecer da Procuradoria-Geral da República. A decisão monocrática do ministro entra em vigor a partir de sua publicação, mas Cunha já anunciou que vai recorrer. O mais provável é que entre com um agravo regimental em que declare que não cumprirá a decisão até a análise do caso pelo plenário do STF. Por se tratar de um assunto com grande repercussão política, esse tipo de recurso tende a ser analisado poucos dias após a apresentação do agravo. Questionado sobre eventual recurso da Câmara, Marco Aurélio afirmou ser “impensável que não se observe uma decisão do Supremo” e que, caso Cunha descumpra a determinação da Corte, ocorreria “crime de responsabilidade sujeito a glosa penal”.

 

Decretos. Com a eventual abertura de uma comissão especial, Temer ficará na mesma condição da presidente Dilma Rousseff, que é alvo de pedido de impeachment em discussão na Câmara. A decisão de Marco Aurélio foi tomada após solicitação do advogado Mariel Márley Marra pelo desarquivamento de denúncia apresentada à Câmara contra Temer. O argumento é de que o vice cometeu crime de responsabilidade e atentado contra a lei orçamentária ao assinar no ano passado, como presidente em exercício, quatro decretos que autorizavam a abertura de crédito suplementar sem aval do Congresso e em desacordo com a meta fiscal vigente. O caso foi revelado pelo Estado em dezembro e é um dos crimes apontados na denúncia em discussão contra Dilma. Para o ministro do STF, Cunha extrapolou suas atribuições e analisou o conteúdo da denúncia contra Temer, quando deveria fazer apenas uma verificação formal. “Em síntese: consignado o atendimento das formalidades legais, cumpria dar seguimento à denúncia, compondo-se a Comissão Especial para a emissão de parecer”, escreveu. A análise do mérito, argumenta, deve ser feita por um colegiado, mas o “figurino legal” não foi respeitado na decisão de Cunha. Na liminar, Marco Aurélio não analisa o mérito da acusação contra Temer.

 

Jurisprudência. A decisão de Marco Aurélio segue linha contrária a uma decisão proferida pela própria Corte em 2011.Naépoca, os ministros defenderam a autonomia do presidente da Câmara para aceitar ou rejeitar denúncia contra uma autoridade. O caso, relatado pelo atual presidente do STF, Ricardo Lewandowski, tratava de um mandado de segurança atacando a decisão do então presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), de arquivar um pedido de impeachment do ministro do Supremo Gilmar Mendes. “Na linha da jurisprudência afirmada pelo Plenário desta Corte, a competência do presidente da Câmara dos Deputados e da mesa do Senado Federal para recebimento, ou não, de denúncia no processo de impeachment não se restringe a uma admissão meramente burocrática, cabendo lhes, inclusive, a faculdade de rejeitá-la, de plano, acaso entendam ser patentemente inepta ou despida de justa causa”, diz o acórdão do julgamento de 2011. Na decisão, Lewandowski menciona que questões referentes à conveniência do pedido de impeachment não competem ao Poder Judiciário, “sob pena de substituir-se ao Legislativo na análise eminentemente política que envolvem essas controvérsias”. Protagonista do caso julgado há cinco anos, Gilmar Mendes ironizou a decisão do colega de STF relacionada a Temer. “Eu também não conhecia impeachment de vice-presidente. É tudo novo para mim. Mas o ministro Marco Aurélio está sempre nos ensinando”, afirmou o ministro em tom irônico.

 

Ação e reação

“É impensável que não se observe decisão do STF”

Marco Aurélio Mello

MINISTRO DO SUPREMO

 

“O ministro Marco Aurélio está sempre nos ensinando”

Gilmar Mendes

MINISTRO DO STF, AO DIZER QUE NÃO CONHECIA IMPEACHMENT DE VICE