Correio braziliense, n. 19323, 21/04/2016. Política, p. 3

Não é golpe, diz decano do Supremo

Julia Chaib

Guilherme Waltenberg

Naira Trindade

Na véspera da viagem da presidente Dilma Rousseff aos Estados Unidos para uma conferência das Nações Unidas em que pretende chamar de “golpe” o processo de impeachment, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) rebateram o argumento da mandatária. Decano da Corte, o ministro Celso de Mello disse que a afirmação é “um grande equívoco”. A posição do magistrado deu munição à oposição e ao PMDB, que trabalham para contestar a possível fala de Dilma sobre a tentativa de um golpe no Brasil ao exterior.

Dilma embarca hoje para Nova York e voltará no sábado. Na ausência, é Temer quem assume a Presidência. Nos Estados Unidos, a mandatária aproveitará a visibilidade e o peso da imprensa internacional para esboçar uma defesa do mandato. A ideia é evitar falar de golpe durante os três minutos de discurso na cerimônia, mas, no entanto, levar a cabo a estratégia de atribuir aos defensores do impeachment a pecha de golpistas durante entrevistas coletivas após o evento.

Mello classificou como uma posição pessoal de Dilma a afirmação de golpe, e disse ser “estranho” ela usar um palanque internacional para falar sobre o assunto. “É um gravíssimo equívoco falar-se em golpe”, disse. “É um grande equívoco reduzir o procedimento constitucional do impeachment à figura do golpe de Estado. Agora, há um equívoco quando afirma que há um golpe parlamentar, ao contrário”, destacou.

Já o ministro Gilmar Mendes cobrou “responsabilidade” no processo. “Eu não sou assessor da presidente e não posso aconselhá-la, mas todos nós que temos acompanhado esse complexo procedimento no Brasil podemos avaliar que se trata de procedimentos absolutamente normais, dentro do quadro de institucionalidade”, disse.

Na mesma linha, o ministro Dias Toffoli avaliou que é preciso ter cuidado com o uso inadequado para a expressão “golpe” não prejudicar a imagem do Brasil lá fora. “Alegar que há um golpe em andamento é uma ofensa às instituições brasileiras, e isso pode ter reflexos ruins inclusive no exterior porque isso passa uma imagem ruim do Brasil”, disse, em entrevista à Rede Globo. “Eu penso que uma atuação responsável é fazer a defesa e respeitar as instituições brasileiras e levar uma imagem positiva do Brasil para o mundo todo, que é uma democracia sólida, que funciona e que suas instituições são responsáveis”, concluiu.

 

Oposição

O contra-ataque a Dilma, no entanto, já está montado. O senador Aloysio Nunes encontra-se em Nova York com uma comitiva e, segundo o ex-ministro Eliseu Padilha, braço direito de Temer, já trabalha para mostrar às agências internacionais que o próprio STF discorda do argumento da presidente. Ontem, durante conversa com jornalistas, Padilha imprimiu e mostrava cópia de matérias de jornal destacando a fala de Mello. “Estão vendo? Não somos nós que estamos falando. É o Supremo.” As mesmas matérias também estão na bagagem de Aloysio, segundo informou Padilha.

Para somar forças ao tucano, os deputados José Aleluia (DEM-BA) e Luiz Lauro Filho (PSB-SP) também vão aos EUA como observadores da Câmara. Segundo a assessoria de Cunha, os próprios deputados solicitam a missão, mas neste caso, eles vão a pedido do presidente da Casa. O objetivo será também distribuir a nota dos partidos rebatendo Dilma.

Paralelamente, o presidente do PMDB, senador Romero Jucá (RR), já deu início a um esforço para propagar o discurso de defesa a partir do Brasil. O parlamentar já tem programadas entrevistas e deve continuar com a estratégia na semana que vem. Em um terceiro front, o partido Solidariedade entrou com ação civil pública contra a viagem de Dilma.

 

O ministro-chefe do Gabinete Pessoal da Presidência da República, Jaques Wagner, criticou a iniciativa da oposição e defendeu a ida de Dilma aos EUA. “A oposição já falou muito mal do Brasil lá fora. Dilma vai defender o país e dizer o que está acontecendo. É o mundo que constata a artificialidade do golpe no Brasil.”

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Decisão sobre Lula adiada

O Supremo Tribunal Federal (STF) adiou o julgamento sobre a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na chefia da Casa Civil, sem nova data prevista para discussão do tema. Apesar de informalmente o petista já atuar nas articulações políticas nos bastidores, os ministros da Corte precisam decidir se a nomeação de Lula foi contaminada pela tentativa de conceder ao ex-presidente o foro privilegiado e, portanto, a nomeação pode ser considerada um ato com desvio de finalidade, ou se Dilma tem a possibilidade de nomeá-lo para trabalhar no Planalto.

Com o adiamento, a Corte pode não julgar a situação de Lula antes da definição do Senado sobre um eventual afastamento da presidente Dilma Rousseff em razão do avanço do impeachment da petista no Congresso. A definição por parte dos senadores sobre a instauração do processo de impedimento da presidente, que pode afastá-la do cargo, deve ocorrer em maio. Três dos onze ministros da Corte foram nomeados por Lula e outros cinco foram indicados pela presidente Dilma Rousseff. O adiamento foi solicitado pelo ministro Teori Zavascki. O ministro argumentou que é relator de duas ações que também questionam a posse do ex-presidente na Casa Civil. Nesta tarde, só estavam em pauta dois mandados de segurança sobre o tema, de relatoria do ministro Gilmar Mendes.

No início do mês, Teori negou a continuidade dos dois processos que chegaram a seu gabinete, com argumento de que o tipo de ação proposta não era a via jurídica adequada para o questionamento. Como há recursos pendentes de análise, no entanto, ele alegou que as ações deveriam ser julgadas em conjunto com os casos relatados por Gilmar.

 

Lula está há mais de um mês impedido de assumir a Casa Civil por uma decisão liminar do ministro Gilmar Mendes.