O Estado de São Paulo, n. 44726, 01/04/2016. Editoriais, p. A3

O mal que Cunha faz

O processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff seguirá seu curso estritamente conforme o que está previsto na Constituição e na forma estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal. Portanto, quem quer que questione a legitimidade desse rito estará, em última análise, questionando as instituições democráticas, arguindo não serem suficientes as evidências de crimes de responsabilidade por parte da presidente e sugerindo que o Judiciário e o Legislativo estão mancomunados numa terrível conspiração das “elites” para perseguir o PT e a chefe do Executivo.

Mas essa fajuta estratégia de vitimização, não obstante sua evidente impostura, tem alguma chance de prosperar porque o condutor do processo de impeachment na Câmara é, neste momento, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

O presidente da Câmara é o inimigo dos sonhos de Dilma.

Diante de robustas provas de que Cunha usufruiu do propinoduto da Petrobrás e cometeu perjúrio ao negar a uma Comissão Parlamentar de Inquérito a titularidade de contas no exterior, não deveria restar alternativa ao Congresso senão proceder ao imediato afastamento do deputado do comando da Câmara e à sua posterior cassação, tantas foram as ofensas ao decoro legislativo.

No entanto, Eduardo Cunha, mestre na arte de explorar os meandros do regimento da Câmara, vem conseguindo protelar o desenlace de seu processo, mantendo-se dessa forma como o maestro do requiem de Dilma, mesmo sendo réu no Supremo Tribunal Federal—o que dá aos desesperados militantes petistas a deixa ideal para tentar desmoralizar o impeachment.

A última manobra de Cunha foi tentar alterar a composição do Conselho de Ética, responsável por julgar seu caso. A Mesa Diretora da Câmara aprovou um projeto de resolução segundo o qual os deputados que mudaram de legenda no recente troca-troca partidário devem ser substituídos nas comissões que integram. Se aplicada ao Conselho de Ética, a nova norma afastaria ao menos três deputados favoráveis à cassação de Cunha. Como sempre, ele negou ter agido de má-fé, mas, pilhado em mais uma de suas traquinagens, mandou mudar a resolução, tornando intocável o Conselho de Ética.

Eduardo Cunha mostra assim que ainda tem muitas cartas na manga. O processo contra o peemedebista no Conselho de Ética foi instaurado no distante dia 3 de novembro e sofreu desde então sucessivos atrasos e contratempos em razão da destreza de Cunha. Aberto um mês depois, o processo contra Dilma caminha de maneira muito mais célere, porque o presidente da Câmara está convocando sessões plenárias às segundas e sextas-feiras – dias em que normalmente os parlamentares nem ficam em Brasília – para apertar o passo da tramitação.

O deputado Betinho Gomes (PE), vice-líder do PSDB na Câmara, resumiu os efeitos deletérios das sucessivas manobras de Cunha, ao dizer que a Casa está “sob o risco de se desmoralizar perante a opinião pública que acompanha cada passo do Congresso Nacional”. Se continuar à mercê de Cunha e de suas artimanhas, aprendidas no submundo da baixa política, a Câmara será vista como mero instrumento nas mãos do deputado para vingar-se de Dilma.

Como o julgamento de Dilma no Congresso é eminentemente político, mas não pode haver sobre seu encaminhamento a mais remota sombra de ilegitimidade, os apoiadores da presidente se utilizam do protagonismo de Cunha para lançar dúvidas inaceitáveis sobre a condução do processo.

Junte-se a isso o fato de que o outro parlamentar decisivo para a continuidade do processo de impeachment, opresidente do Senado, Renan Calheiros, tem contra si nada menos que nove inquéritos por suspeita de grossa corrupção.

Assim, cabe às forças políticas verdadeiramente interessadas preservar a democracia e seus institutos agir o mais rápido possível para resgatar a imagem do Congresso e garantir que seus atos – especialmente os de imensa gravidade, como o impeachment da presidente.