Correio braziliense, n. 19324, 22/04/2016. Política, p. 2

Dilma mencionará crise

Naira Trindade

Ao discursar na cerimônia de assinatura do Acordo de Paris sobre mudanças no clima, na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, a presidente Dilma Rousseff tem à disposição a estratégia de mencionar de forma sutil da crise política e econômica em que o país se encontra e do processo de impeachment que enfrenta no Senado. Se escolher por essa narrativa, alertam cientistas políticos, Dilma construirá justificativas para uma saída honrosa do governo nos próximos dias.

A expectativa mais cotada na Presidência era que a presidente escreveria o discurso de próprio punho, com a ajuda de assessores. Na primeira versão do texto, Dilma apenas cita o processo de impeachment. Segundo fontes do Palácio, o discurso não é direcionado à crise, centrando-se em uma fala típica de chefe de Estado. Ao fim do evento, na entrevista ao estilo “quebra-queixo com jornalistas”, a presidente aproveitaria para explicar à imprensa brasileira e internacional o drama que vive no país com o que define como “golpe” a da “traição” do vice-presidente, Michel Temer.

Especialistas alertam, porém, para o risco de precipitação. Se Dilma aproveitar seu espaço para se defender do impeachment, o seu discurso seria interpretado como uma derrota, avaliam. “Ao ir para o exterior, Dilma já indica que entrega os pontos”, explicou o professor da Universidade Federal de Pernambuco, André Régis de Carvalho. “A decisão de falar é uma tentativa de construir uma saída honrosa ao cargo, diferentemente do que fez o ex-presidente Fernando Collor, que saiu como criminoso. É a oportunidade de construir a narrativa de que não sairá nos mesmos moldes.”

“Neste momento, o discurso (dela) não tem efeito diante da decisão do Senado”, pontua o doutor em ciência política e professor da UFPE Adriano Oliveira. “Entretanto, se o futuro presidente Michel Temer não fizer nada num período de seis meses, os setores produtivo e financeiro reagirão. Dentro de meses, se não surtir efeitos, ocorrerá uma ausência no eleitor, que ficará desesperançado e poderá, sim, questionar, se, de fato, não deram um golpe na presidente e o país não melhorou.”

É consenso entre os especialistas de que citar “golpe” no discurso da ONU pouco pode afetar a votação pela admissibilidade do impeachment prevista para maio no Senado. “Uma menção sutil provavelmente não deve afetar a votação”, analisa o professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília Paulo Calmon. “Mas a pergunta é se ela quer realmente fazer isso. Se ela quer afetar a posição dos senadores? Ou se ela quer, de certa maneira, apresentar o que ela interpreta como que esteja acontecendo no país neste momento. Então, isso vai variar muito do tom das palavras dela. É muito difícil, nesta altura do campeonato, colocar palavras na boca dela. Não tem nenhuma relevância poque a gente não sabe o que ela vai dizer.”

Segundo ele, o Brasil quer ser uma potência emergente e tem a preocupação geopolítica de se reafirmar no cenário internacional. “Mas, para que isso aconteça, é importante que o país passe para o exterior uma imagem de ser um país que segue o estado de direito e que tem governabilidade democrática, que obedece às leis, às normas e à Constituição.”

Para Calmon, o que está em jogo é a governabilidade democrática. “Isso independe da culpa ou inocência da presidente. O que passa a estar em jogo agora é a credibilidade do estado de direito no Brasil e do nosso compromisso com o sistema de governabilidade democrática. É isso que tem de ser enfatizado e é essa a preocupação lá fora.”

 

Protesto na homenagem a Mujica

 

A cerimônia do Dia da Inconfidência, ontem em Ouro Preto, homenageou o ex-presidente do Uruguai Pepe Mujica. Único entre os homens do palco sem terno, ele trajava roupas simples, com calça jeans e camisa de frio. Quando o vice-governador de Minas Gerais, Antonio Andrade (PMDB), foi chamado para entregar medalhas, houve manifestações contra o PMDB e gritos de "fora Temer". Integrantes da Central Única dos Trabalhadores (CUT) usaram camisetas em que se lia "luto em defesa da democracia", em protesto contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT).

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Economist quer eleições

A capa da última edição da revista The Economist exibe a imagem do Cristo Redentor pedindo S.O.S., um chamado de socorro, em alusão à situação político-econômica do Brasil. Edições passadas retrataram o monumento decolando e em derrocada. A revista diz que a presidente Dilma Rousseff tem responsabilidade sobre o fracasso econômico, mas que os que trabalham para tirá-la do cargo “são, em muitos aspectos, piores”. Um dos exemplos é o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). “No curto prazo, o impeachment não vai resolver isso”, diz a publicação. Por isso, a revista defende novas eleições gerais.

Dilma “levou o país para baixo, mas toda a classe política também”. “O fracasso não foi feito apenas pela senhora Rousseff. Toda a classe política tem levado o país para baixo através de uma combinação de negligência e corrupção. Os líderes do Brasil não ganharão o respeito de volta de seus cidadãos ou superarão os problemas econômicos a não ser que haja uma limpeza completa.”

 

A responsabilidade da presidente se deveria à incompetência do governo na condução da economia, ao Partido dos Trabalhadores envolvido no esquema de corrupção da Petrobras e à tentativa de Dilma de proteger o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva das investigações.